domingo, 30 de maio de 2010

Relatos acerca da Sociedade da Vigilância (1ª Parte)

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Em Setembro de 2006 foi criado um Relatório para a Information Commissioner by the Surveillance Studies Network (uma rede de pesquisa sobre vigilância).

Segue parte dele logo abaixo.

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Parte A: Apresentando a Sociedade da Vigilância
1.1 - Nós vivemos na sociedade da vigilância. Não faz sentido usar um tempo futuro para falar sobre a sociedade da vigilância. Em todos os países ricos do mundo, a vida cotidiana é permeada de encontros vigiados, não apenas à luz do dia, mas 24 horas por dia, sete dias por semana. Alguns desses encontros interferem na nossa rotina, como quando recebemos uma multa por avançar o sinal vermelho sem que houvesse ninguém por perto, exceto por uma câmera. Mas a maioria desses encontros vigiados já faz parte do nosso dia a dia. Nem reparamos neles.
1.2 - Pensar nos termos da sociedade da vigilância é escolher um ângulo de visão, uma maneira de enxergar o mundo contemporâneo. É expor de maneira clara não apenas os encontros diários, como também os enormes sistemas de segurança que sustentam a existência moderna. Isso não se resume ao fato dos sistemas de circuito interno registrarem nossa imagem várias centenas de vezes por dia, ou dos caixas de supermercado pedirem nossos cartões de fidelidade, ou de precisarmos de um cartão de acesso codificado para entrar no escritório pela manhã. O que acontece é que esses sistemas representam uma infraestrutura básica e complexa, que presume que coletar e processar dados pessoais é algo vital para a vida contemporânea.
1.3 - De maneira convencional, falar na sociedade da vigilância é invocar algo sinistro, envolvendo ditadores e totalitarismo. Já vamos falar no Grande Irmão, mas a sociedade da vigilância é melhor compreendida como o resultado de práticas organizacionais modernas, dos negócios, do governo e do exército do que como uma conspiração secreta. A vigilância pode ser vista como um avanço rumo à administração eficiente, na visão de Max Weber, algo benéfico para o desenvolvimento do capitalismo ocidental e do estado-nação moderno.
1.4 - Certos tipos de vigilância sempre existiram: as pessoas se fiscalizam em prol do bem comum, por questões morais e para descobrir informações em sigilo. No entanto, há quatrocentos anos, métodos ‘racionais’ começaram a ser aplicados a práticas organizacionais, eliminando os controles e redes sociais informais dos quais dependiam os negócios e o governo. Os elos sociais comuns entre as pessoas se tornaram irrelevantes, de forma que as conexões familiares e as identidades pessoais deixaram de interferir no perfeito funcionamento dessas novas organizações. A boa notícia é que os cidadãos, e eventualmente os trabalhadores, poderiam ter a expectativa de que seus direitos fossem respeitados, já que eles eram protegidos por registros precisos e também pela lei.
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O "espírito" de vigilância como relatado acima, por pesquisadores como David Lyon e Kirstie Ball, está se disseminando pela sociedade. Uma das responsáveis por esta situação é a grande mídia televisiva. Dificilmente vemos alguma reportagem discutindo de forma crítica o aumento de câmeras ou outros dispositivos que podem ser a causa de boa parte da perda de nossas privacidades, e de um maior controle sobre nossas vidas por parte dos governos.

Na realidade, na maioria das vêzes, o que se percebe nas apresentações daqueles dispositivos de vigilância é uma leve (nem sempre tão leve) tendência a apresentar as suas "vantagens".

Como disse Pierre Bourdieu, "em um mundo dominado pelo temor de ser entediante e pela preocupação (quase pânico) de divertir a qualquer preço, a política está condenada a aparecer como um assunto ingrato, que se exclui tanto quanto possível dos horários de grande audiência, um espetáculo pouco excitante, ou mesmo deprimente...".

Trouxemos até aqui, como exemplo dessa tendência, uma reportagem do Jornal Hoje, da Rede Globo, do dia 26 de Maio passado.


Na Quarta-Feira continuamos com a apresentação do Relatório e mais exemplos de referências midiáticas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Notícias da Grã-Bretanha

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No Blog do grupo britânico Big Brother Watch podemos ver quase todos os dias novas notícias que mostram o atual estado de vigilância na Grã-Bretanha.

Obviamente o motivo mais citado em toda as formas de vigilância que vão se utilizando é o combate ao terrorismo, mas não é difícil de perceber que o desejo de controle da sociedade pelos governos é algo intrínseco a estes.

Hoje naquele blog (veja link na coluna ai do lado) podemos ver, por exemplo, o começo do uso de mini-câmeras (CCTVs) nas blusas de policiais em cidade da Escócia. No site indicado pelo blog (STV) há uma clara alusão a possibilidade de mais controle pela polícia:

"Altos oficiais afirmam que ajudará a reduzir o comportamento anti-social e melhorar a coleta de provas".

O blog também aborda (More DNA database controversy) a controvérsia sobre a base de dados de DNA que estaria sendo construído com a ajuda de sangue colhido de bebês recém nascidos, em hospitais britânicos, sem a devida autorização de seus pais. E de acordo com informação obtida pelo The Sunday Times, o Banco de  DNA pode ser pesquisado por policiais, médicos legistas e outros estudiosos da área médica, possibilitando a identificação dos indivíduos.

Alguns dias atrás o grupo também alertou através do blog sobre a invenção do mascote da Olimpiada de 2012, em Londres. O bonequinho "arrepiante", segundo o autor da postagem, é um cíclope (vejam a figura no início dessa postagem), com um grande olho. O alerta dos Big Brother Watch é baseado nas informações do próprio site oficial do Wenlock (nome que deram ao mascote):

"A forma da frente de minha cabeça se baseia na forma do telhado do Estádio Olímpico. Meu olho é uma lente de câmera, capturando tudo o que eu vejo...".

Nada mais justo do que desejar ver tudo antes que algo aconteça em uma cidade como Londres, capital do país que mais apoiou os Estados Unidos no combate aos "terroristas" muçulmanos. 

E, afinal de contas, a afinidade dos governos britânicos com a vigilância, e o controle decorrido dela, não é nova. O quadrinista Alan Moore (V de Vingança, lembram ?) já dedicava suas críticas a essa tendência no início dos anos 80, durante o governo da dama de ferro, Margaret Thatcher.

Domingo estou de volta.

domingo, 23 de maio de 2010

Big Brother Watch

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Big Brother Watch é como se chama um grupo Inglês que debate assuntos relacionados à Vigilância e Controle Social.

Em sua página eles definem a missão do grupo. Traduzimos essa missão e disponibilizamos abaixo.

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Big Brother Watch luta contra a injustiça e toma parte em campanhas para proteger nossas liberdades civis e individuais.

O Estado Britânico tem acumulado um poder sem precedentes em tempo de paz e a pretensão dos políticos e burocratas é ampliar sua base de poder ainda mais em áreas desconhecidas.

Big Brother Watch promove o restabelecimento do equilíbrio de forças entre o Estado e as famílias e indivíduos.

Nós estamos de olho na lenta, mas astuta, apreensão do controle pelo Estado – de poder, de informação e de nossas vidas.

Nós defendemos o retorno de nossas liberdades e estamos a procura de gente para se juntar a nossa causa.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Paranóia ?

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Estou postando aqui hoje um pequeno trecho de 14 minutos do filme citado no domingo passado, Paranóia.

Ali é interessante percebermos como é tratado o assunto Vigilância, mais uma vez pelo diretor D.J.Caruso (o mesmo de Controle Absoluto).

No filme, um adolescente é incriminado por violência contra um professor, e é punido com prisão domiciliar, controlada a partir de uma perneira eletrônica.

Vejam o trecho do filme, e depois se possível assistam na totalidade. É bem legal. Principalmente por lembrar o antigo filme de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta.


Até Domingo que vem.

domingo, 16 de maio de 2010

Pulseira ou Coleira Eletrônica ?

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O parágrafo único do artigo 1° da Lei Estadual paulista nº. 12.906/08 estabelece o seguinte:

"A vigilância eletrônica consiste no uso da telemática e de meios técnicos que permitam, à distância e com respeito à dignidade da pessoa a ela sujeita, observar sua presença ou ausência em determinado local e durante o período em que, por determinação judicial, ali deva ou não possa estar".

Para quem não compreendeu a situação podemos lembrar do filme Paranóia, quando um rapaz comete um crime (atos violentos em sua escola) e a punição é utilizar uma "cinta" eletrônica presa a perna. Isso o deixa "preso" dentro de sua casa. Se sair de determinado limite espacial a perneira "dedura" o rapaz e policiais são alertados automaticamente para sua "fuga".

Quem não se lembra também do casal brasileiro (de religiosos) que ficou um bom tempo nos Estados Unidos com essas pulseiras no corpo, punidos por entrar naquele país com grana não registrada.

O presidente do STF, Gilmar Mendes, defendeu em entrevista em abril passado o uso dessas pulseiras eletrônicas. Há uma proposta do Conselho Nacional de Justiça para que seja implantada em todo o país. As notícias dos jornais naquele momento focavam a descoberta de que o ex-presidiário Adimar da Silva havia assassinado 6 adolescentes em Luiziânia enquanto ainda se encontrava em regime de prisão no regime aberto. Pouco tempo depois o pedreiro de "se suicidou" após ter sido colocado novamente atrás das grades.

Provavelmente na cabeça de Mendes uma "coleira" eletrônica no ex-detento evitaria que o mesmo (com distúrbios psicológicos ainda provados pelos peritos do próprio sitema penitenciário) cometesse novos crimes.

Dando uma passadinha pela Internet podemos notar muita gente da área jurídica criticando a lei paulista. Mas não pensem que a maioria reclama porque esse dispositivo iria negar a dignidade humana, ou criaria uma situação constrangedora para o "usuário". Ou mesmo que haja temor de que essa tecnologia possa vir a ser utilizada em outras situações, por osmose, pelo resto da sociedade.

A crítica é simplesmente porque na Constituição Federal, artigo 22, cabe somente a União legislar sobre direito penal e direito processual penal.

A Sociedade de Controle (e Vigilância) não é apenas uma fantasia teórica de filósofos.

Se isso é bom ou ruim para nós, simples mortais, é uma escolha que cada um de nós tem de fazer (ou não)...

Até Quarta-Feira que vem.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Uma Tarde no Shopping Center

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Hoje eu gostaria de fazer um exercício de imaginação com aqueles que passam por aqui e têm a coragem e a paciência de ler um pouco sobre um assunto que, talvez, não seja tão excitante quanto sexo, amor, crimes, e futebol.

Imagine-se dentro de uma loja do Shopping que você mais gosta de visitar. Uma livraria. Câmeras pela loja. De olho em você também. Se forem câmeras “inteligentes”, do tipo daquelas que existem no aeroporto de Londres, que conseguem “captar” a cor dos olhos, a cor da pele, feições tristes ou preocupadas, é até capaz de se fixarem em determinados grupos de pessoas (e deixarem você de lado).

Você vai a um computador daqueles em que se podem pesquisar quais livros são de seu interesse. Você começa sua pesquisa por assunto. Digita “B-O-M-B-A”.

Dentro do Shopping Salvador eu não sei, mas se tivesse em uma livraria dentro de um shopping nova-iorquino por esses dias seria bem capaz de existir uma câmera que tiraria sua foto. Ou algum cara todo de preto, todo mal encarado (óculos preto, daqueles que o pessoal do SNI/CIA, na época da Ditadura gostava de usar) pegaria em seu ombro solicitando sua identificação.

Imagina o que aconteceria até você explicar que estava querendo entender mais de “bombas” porque está com problema de falta de água em sua casa, e quer encher seu tanque em cima da laje com água de seu próprio poço.

Mas não imaginemos tanta coisa ruim. Ainda estamos em Salvador. Por enquanto, só filmagem. Quer dizer, fora o escaneamento na hora de sair da loja. Lembra daquelas “tábuas” que ficam na saída das lojas ? São tipos de “scanner” que “visualizam” se a gente vai surrupiando coisas que não compramos.

Nossa. Sempre passo por aquelas coisas com medo de apitar e vir um sujeito vestido de preto me revistar. Fico com receio do pessoal da loja não ir com a minha cara (principalmente se eu estiver com alguma de minhas camisetas furadas) e ajustar manualmente algum dispositivo para a “zorra” apitar.

Ah. Nem lembrei. Se você comprar alguma coisa, seja um sapatinho, uma calça, uma camisa “xique” de marca, uma revista... No cartão... A operadora do cartão, obviamente sem informar a você, o colocará em um banco de dados de compradores de alguma dessas bugigangas e você começará a receber em casa ou no seu e-mail (sem entender o porquê) releases e folders dos fabricantes daquele tipo de produto comprado.

É isso... Era só esse exercício de imaginação que eu gostaria que todos fizessem, e continuassem fazendo.

A idéia é essa mesmo. Perceber o quanto a gente está sendo vigiado no nosso dia-a-dia. Não que seja uma coisa de outro mundo. Que vai lhe prejudicar em curto prazo de alguma maneira.

Mas é importante perceber que muito desta vigilância se agrega a espécies de controle, e nem somos informados que ela existe. Ou seja, podem nos controlar sem que estejamos cientes de como limitar este poder.

domingo, 9 de maio de 2010

Vigilância e Violência Urbana

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Não é difícil se perceber que muita gente gosta da ideia de aumentar e melhorar os sistemas de vigilância, pois, em tese, isso deveria diminuir o estado de violência que se vive nas grandes cidades (seja do Brasil ou em qualquer outro local do mundo).

Câmeras, por exemplo, espalhadas em bancos, escolas, ruas e ônibus, seriam inibidoras dessa violência. Portanto deveriam inibir homicídios, sequestros e assaltos.

Porém algumas pessoas em redor do mundo desconfiam dessa equação muito simples: Mais Vigilância = Menos Violência. Acredita-se que muitas variáveis podem estar por trás dessa "necessidade" de vigilância. Empresas de equipamentos, apenas como um exemplo, podem querer formar lobbies nas Câmaras de Vereadores, dentre outras, para que se comprem mais câmeras, e incrementem os saldos de suas contas bancárias.

O vídeo que segue foi publicado no dia 05 de Março desse ano no canal R7, da Rede Record, e dá um indício importante sobre a questão entre violência e vigilância. Neste vídeo a repórter chega a deduzir que as câmeras dentro dos ônibus no Rio de Janeiro não estão inibindo os assaltos.

Vale também notar que o vídeo faz parte do acervo do programa Balanço Geral. Ali, ao final da reportagem, o apresentador Wagner Montes dá sua receita de como tratar os "elementos" que assaltam os veículos públicos. Infelizmente, mais um exemplo de como fazer com que a população que assiste ao programa tenha uma visão simplista (e geradora de novos atos violentos) de como lutar contra a violência urbana.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vigilância, Privacidade, Dignidade

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Trouxemos neste post, como visto acima, a introdução do filme "Inimigo do Estado", citado por Stefano Rodotà na postagem de Domingo passado.

Ali um político e um funcionário da Agência Americana de Segurança (NSA) discutem sobre a necessidade ou não de lei para possibilitar o aumento de vigilância sobre os indivíduos que vivem nos Estados Unidos.

Infelizmente para o político os interesses técnicos prevaleceram sobre seus "caprichos" em prol da privacidade.

No tópico a seguir, retirado mais uma vez do livro de Rodotà (A Vida na Sociedade da Vigilância), há uma análise acerca do fim da privacidade como parte da eliminação da dignidade humana, devido aos mesmos dispositivos apresentados durante o filme (Câmeras, Bancos de Dados, Biometria, etc.)...

Segue abaixo o texto de Rodotà.

E até domingo que vem.

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Privacidade, Liberdade, Dignidade

Ao se preocupar com o futuro, é bom não perder de vista um presente no qual a vigilância por vídeo invade todos os espaços e a digitalização das imagens torna possível reconstruir os nossos percursos. As tecnologias da vigilância por vídeo não somente incidem sobre a liberdade de circulação, mas tornam “o passado visível”.

Os efeitos do controle sobre a localização e do fato de se custodiar todos os nossos comportamentos a uma implacável memória são bastante evidentes no âmbito das comunicações eletrônicas. Aqui, o aumento dos tempos de conservação de dados não somente está eliminando o direito ao esquecimento, mas também multiplicando as possibilidades de produção ininterrupta de perfis de todo tipo.

Qual dignidade restará a uma pessoa tornada prisioneira de um passado que está todo nas mãos de outros, frente a que resta resignar-se de ter sido expropriado?

Além disto, o surgimento da biometria propõe novas combinações de corpo físico e do corpo eletrônico. O corpo físico está se tornando uma password. O corpo eletrônico, o conjunto dos nossos dados, é objeto de um data mining cada vez mais agressivo e ramificado, motivado por exigências de segurança ou do mercado. A vigilância social é confiada a guizos eletrônicos cada vez mais sofisticados. O corpo humano é assimilado a um objeto qualquer em movimento, controlável à distância através de uma tecnologia que se utiliza de satélites ou da rádio-frequência.

Diante de nós estão mudanças que tocam na própria antropologia da pessoa. Estamos diante de progressivos desvios: da pessoa “escrutinada" pela vigilância por vídeo e pelas técnicas biométricas se pode passar a uma pessoa “modificada” por diversos instrumentos eletrônicos, pela inserção de um chip e etiquetas “inteligentes”, em um contexto que cada vez mais claramente nos transforma em networked persons, pessoas permanentemente em rede, paulatinamente configuradas de modo a emitir e receber impulsos que permitam traçar e reconstituir movimentos, hábitos, contatos, modificando assim o sentido e o conteúdo da autonomia das pessoas e, portanto, incidindo sobre sua dignidade.

(Pag. 239/240)

domingo, 2 de maio de 2010

A Privacidade Hoje

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Hoje postamos aqui um trecho do livro "A Vida na Sociedade da Vigilância", do italiano Stefano Rodotà.

Naquele segmento, o jurista italiano apresenta bem resumidamente uma introdução à edição brasileira do seu livro, editado em 2007. Ele começa ali a discussão sobre a necessidade de se buscar a "utopia necessária se se deseja garantir a natureza democrática de nossos sistemas políticos" e também "para impedir que novas sociedades se tornem sociedades de controle, vigilância e seleção social". 

A "utopia necessária" a que ele se refere é justamente a proteção aos dados pessoais.

Eis o texto logo abaixo. E até a próxima Quarta-Feira.

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A Proteção de Dados como Direito Fundamental

Vivemos num tempo em que as questões relacionadas à proteção de dados pessoais se caracterizam por uma abordagem marcadamente contraditória – de fato, uma verdadeira esquizofrenia social, política e institucional. Tem-se aumentado a consciência da importância da proteção de dados no que se refere não só à proteção das vidas privadas dos indivíduos, mas a sua própria liberdade. Esta abordagem reflete-se em inúmeros documentos nacionais e internacionais, principalmente na Carta de Direitos Fundamentais da Comunidade Européia, na qual a proteção de dados é reconhecida como um direito fundamental autônomo. Ainda assim, é cada vez mais difícil respeitar essa presunção geral, uma vez que exigências de segurança interna e internacional, interesses de mercado e a reorganização da administração pública estão levando à diminuição de salvaguardas importantes, ou ao desaparecimento de garantias essenciais.

O que devemos esperar do futuro? A tendência que emergiu ao longo dos últimos anos continuará ou voltaremos, ainda que com dificuldades, ao conceito original da proteção de dados pessoais, que inaugurou uma nova era para a proteção das liberdades com uma abordagem realmente progressista?

Se alguém enxerga a realidade com imparcialidade, encontra razões para o pessimismo. Mesmo antes do 11 de setembro, particularmente por conta de exigências do mercado e da tendência de montagem de bancos de dados cada vez maiores de consumidores e de seus comportamentos, havia comentários sobre o “fim da privacidade”. Atualmente, no entanto, se percebemos o modo como o mundo está mudando, emerge uma questão mais radical para responder. O “fim da privacidade” é cada vez mais comentado. Alguns anos atrás, Scott MacNally, executivo-chefe da Sun Systems, disse com sinceridade: “Vocês não têm nenhuma privacidade, de qualquer modo. Aceitem isso". Num filme de 1998, dirigido por Tony Scott, “Inimigo do Estado", um dos personagens principais diz: "A única privacidade que você tem está na sua cabeça. Talvez nem mesmo lá”.

Esta dúvida está se tornando uma realidade perturbadora. Têm sido realizadas pesquisas sobre “digitais cerebrais", a memória individual está sendo investigada em busca de indícios que possam apontar para a memória de eventos passados e, portanto, sejam consideradas como prova da participação em tais eventos. Um século atrás, ao destacar o papel desempenhado pelo subconsciente, Freud percebeu que o Eu não estava mais no controle. Atualmente, podemos sustentar com segurança que a privacidade mental, a mais íntima esfera, está sob ameaça, violando a dimensão mais reclusa de uma pessoa. Depois do 11 de setembro, “a privacidade na era do terror” parece estar condenada. A privacidade, além de não ser mais vista como um direito fundamental, é, de fato, frequentemente considerada um obstáculo à segurança, sendo superada por legislações de emergência.

A realidade distancia-se cada vez mais do arcabouço dos direitos fundamentais, por conta de três motivos básicos. Primeiramente, depois do 11 de setembro muitos critérios de referência mudaram e as garantias foram reduzidas em todo o mundo, como demonstra, particularmente, o Patriot Act nos EUA e as decisões na Europa sobre a transferência para os EUA de dados sobre passageiros de linhas aéreas e sobre a retenção de dados quanto às comunicações eletrônicas. Em segundo lugar, esta tendência no sentido de diminuir as garantias foi estendida a setores que tentam se beneficiar da mudança do cenário geral - como o mundo dos negócios. Em terceiro lugar, as novas oportunidades tecnológicas tornam continuamente disponíveis novas ferramentas para a classificação, seleção, triagem e controle de indivíduos, o que resulta numa verdadeira maré tecnológica que as autoridades nacionais e internacionais nem sempre são capazes de controlar adequadamente.

(Pag. 13/14)