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Esta vai ser a primeira postagem de uma resenha dos livros que venho pesquisando e que têm referência com o tema Vigilância e Controle Social.
Obra fundamental para se compreender o funcionamento de dispositivos disciplinares, base para o desenvolvimento do que se convencionou chamar de Sociedade de Controle.
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Foucault além deste livro também escreveu outras obras como As Palavras e as Coisas, um estudo epistemológico das Ciências Sociais, e Arqueologia do Saber, onde ele propõe uma investigação e uma análise histórica e profunda, opondo-se a um falso objetivismo cientifico.
Vigiar e Punir teve sua primeira edição publicada na França em 1975, com o nome Suerveiller et Punir.
Com a perspectiva investigativa explicada por ele em Arqueologia do Saber ele pretende nesta obra analisar a genelogia da prisões, e consequentemente das estruturas construídas através dos anos, com suas continuidades e descontinuidades históricas.
A primeira parte do livro, nomeada “Suplício”, se inicia com uma técnica conhecida desde os anos 60 como Micro-História, com Carlo Ginzburg (O Queijo e os Vermes). A partir de documentos do final do Sec. XVIII ele mostra, perturbadoramente, como ocorriam as penas de morte, para aqueles que eram julgados culpados por assassinato.
Partindo do caso específico de Robert-François Damiens, julgado parricida, ele usa as peças originais do processo que se deu em 1757, além das notícias encontradas na Gazette d´Amsterdam, de 01/04/1757, para demonstrar como ele foi executado.
A execução se deu em praça pública. A condenação inclui pedir perdão publicamente, e logo após uma série de atos violentos sobre seu corpo:
... atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas... e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente... seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seu membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (página 9).
Neste mesmo capítulo e no seguinte Foucault vai escavando e encontrando vestígios e indícios (como um arqueólogo) das mudanças estruturais que vão ocorrendo entre as punições exibidas em público através do suplício dos acusados até meados dos Sec. XIX e a criação de tecnologias e dispositivos disciplinares que permitissem que a sociedade se saciasse apenas com as prisões dos indivíduos, sem “a melancólica festa de punição” (página 15).
Época em que as ciências penais vão se modificando. A punição começa a ser levada a cabo, sistematicamente, por meio da vigilância em prisões. O juri adotado quase toda parte e a definição do caráter essencialmente corretivo da pena são alguns dos novos dispositivos de controle do sistema penal, a partir daquele momento.
É na terceira parte, entitulada “Disciplina”, onde a questão da vigilância e do controle sobre os individuos é estudada pormenorizadamente.
Foucault vai demonstrando como evolui o controle dentro das prisões, partindo da necessidade de tornar os presos dóceis (corpos dóceis) a partir de técnicas disciplinares adequadas.
Regras disciplinares que obrigam o preso a ter um dia igual ao outro. Horas determinadas para ações determinadas. Esquemas hierárquicos sólidos e vigiados todo o tempo com o único objetivo de reforçar o poder disciplinar:
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior 'adestrar'... Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes. 'Adestra' as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos... (página 164).
O sucesso disciplinar se deve ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico e a sanção normalizadora.
Foucault dá vários exemplos do que considera como olhar hierárquico. A arquitetura das instituições vão sendo cada dia melhoradas para justamente incrementar essa possibilidade de olhar, de observar. O acampamento militar, cidades operárias, asilos, escolas... vão sendo construídos para permitir que se consiga observar a maior quantidade possível de indivíduos de uma só vez.
O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar a tudo ver permanentemente. Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (página 167).
Assim surge a idéia central do Panóptico. O efeito mais importante deste dispositivo seria “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder”. (página 191).
Entendendo as causas e efeitos da arquitetura do Panóptico nos espaços fechados não fica difícil de se compreender a sua transposição hoje (como metáfora) para os espaços abertos, com as milhões de câmeras espalhadas pelas ruas, ou pelos celulares móveis que permitem a localização de seus usuários via GPS, por exemplo.
Domingo continuamos.