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Retorno dia 17/01/2010
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O caráter multifacetado da vigilância se faz notar nos afetos que hoje mobili-za: se por um lado ela se justifica ou se exerce pelo medo e pela promessa de segurança, ela também mobiliza ou expressa todo um circuito de libidos, prazeres e desejos. Devemos lembrar que a vigilância não é apenas herdeira da cinzenta maquinaria industrial-disciplinar, da empoeirada burocracia estatal e das luzes esclarecidas do Iluminismo. A vigilância também herda as cores e os prazeres da cultura do espetáculo que floresce junto com as cidades modernas.
As instâncias salvaguardam essa estrutura porque supostamente oferecem proteção. Eu não concordo. Ao fazer isso, acirram a ideia de cidade partida. Declara-se guerra ao outro. Abre-se mão do encontro com a diferença. Esse controle é a espacialização da diferença.
Mas não escolhi os vídeos a toa.A rua que sempre foi um lugar do anonimato, vai perdendo essa característica. As pessoas começam, de forma não muito gritante e visível, a ter atitude de autocontrole nesses espaços. Um dos objetivos da câmera é interiorizar a vigilância.
Órgãos ou instituições organizados, tais como governos, religiões e sistemas econômicos e, em menor grau, educadores e psicoterapeutas, exercem um controle poderoso e muitas vezes molesto. Tal controle é exercido de maneira que reforça de forma muito eficaz aqueles que o exercem e, infelizmente, via de regra significa maneiras que são ou imediatamente adversativas para aqueles que sejam controlados ou os exploram a longo prazo.
O governo da ciência e dos homens de ciência, ainda que fossem positivistas, discípulos de Auguste Comte, ou ainda discípulos da escola doutrinária do comunismo alemão, não poderia ser outra coisa senão um governo impotente, ridículo, desumano, cruel, opressivo, explorador, malfazejo.
O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam.
* O Olho de Sauron, que tudo vê e tudo sabe, faz parte da mitologia criada por J.R.R. Tolkien, na sua obra O Senhor dos Anéis.
... atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas... e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente... seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seu membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (página 9).
O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior 'adestrar'... Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes. 'Adestra' as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos... (página 164).
O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar a tudo ver permanentemente. Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (página 167).
Por trás de Winston a voz da teletela ainda tagarelava a respeito do ferro gusa e da superação do Nono Plano Trienal. A teletela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também. Naturalmente, não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não.(ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. Pag.6)
Será que o espírito liberal e a energia do cidadão livre não seriam substituídos pela disciplina mecânica de um soldado ou a austeridade de um monge ? E não será que o resultado desse sofisticado dispositivo não será o de produzir um conjunto de máquinas sob a aparência de homens ?. *
sem exceção, a todos e quaisquer estabelecimentos, nos quais, num espaço não demasiadamente grande para que possa ser controlado ou dirigido a partir de edifícios, queira-se manter sob inspeção um certo número de pessoas. *