quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sobre os Totens Soteropolitanos

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Recebi as respostas aos questionamentos que havia feito para a Prefeitura de Salvador quanto aos "Totens" publicitários que vêm sendo instalados em vários pontos da cidade.

As respostas foram enviadas pela Sucom, através da sua Assessoria de Comunicação.

Logo abaixo deixo as questões e respostas.

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1- Houve alguma discussão dentro da prefeitura com relação a instalação das câmeras (ou foi decisão da empresa de mídia que instala os totens) ?

A instalação de câmeras foi uma determinação da Sucom às empresas interessadas em instalar os totens na cidade, como forma de disponibilizar mais um serviço de utilidade pública, qual seja, o de monitoramento visual em favor da mobilidade de veículos e da segurança dos munícipes, em contrapartida à exploração de espaços publicitários por parte da empresa contratada.

2- E quanto a privacidade das pessoas filmadas. As câmeras ficarão ligadas 24 horas ? Não há a possibilidade de que as pessoas não desejem ser vistas a qualquer momento nas praias, por exemplo ? Isto também foi debatido ?

A questão foi debatida, tendo sido decidido que as câmeras ficarão ligadas 24 horas, tendo como base o entendimento da Sucom de que o interesse público (segurança, mobilidade) deve prevalecer sobre o privado. As câmeras serão instaladas em lugares estratégicos que possibilitem captar imagens especialmente de calçadas e ruas. Com o objetivo de preservar a intimidade das pessoas, não serão filmados os rostos das pessoas na areia da praia ou no mar.

3- Quem será responsável pelo controle das câmeras ? A prefeitura ou a empresa de mídia ?

Não haverá controle de câmeras.

4- As imagens do "vídeo monitoramento" seriam disponibilizadas onde ? Na Internet ? Em que endereço ?

A empresa credenciada disponibilizará as imagens em um site, cujo endereço ficará acessível através de sites da Prefeitura, a ser informado.

5- Serão utilizadas por órgãos de segurança do Estado ?

As imagens estarão disponíveis a todos, inclusive a órgãos de segurança do Estado.

Pronto... é isso.

Domingo volto para comentar sobre as respostas.

domingo, 27 de junho de 2010

Controle sobre dados pessoais

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Transcrevemos hoje a notícia sobre questões de privacidade e controle de dados na Internet.

A informação se encontra no Site TEK, de Portugal:

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A Comissão Europeia quer passar para os internautas o controlo efectivo sobre os dados pessoais disponibilizados online, controlo esse que passa, nomeadamente, pelo "direito ao esquecimento" no mundo virtual.

Em primeiro lugar "os internautas devem ter um controlo efectivo sobre o que publicam online e poder corrigir, eliminar ou apagar o que quiserem", afirmou em Bruxelas a comissária da Justiça, Direitos Fundamentais e Cidadania Viviane Reding, que assim deixou algumas pistas sobre a futura reforma da legislação europeia da protecção de dados, que data de 1995.

"Mais controlo significa também que os internautas possam mudar os seus dados de um lugar para o outro e apagá-los dos sítios onde estavam guardados. Se as minhas fotos estão guardadas num determinado serviço, o que se passa se quiser mudar de fornecedor?", perguntou.

A comissária também defendeu que é necessário reflectir sobre a ideia do "direito ao esquecimento" na Internet, já que tecnologias de busca, como a do Google, fazem com que seja muito fácil encontrar dados online, às vezes publicados há anos.

A Comissão Europeia anunciou ainda que durante este Verão irá propor às empresas de Internet um conjunto de preceitos legais que assegurem a protecção de dados dos seus clientes quando realizem compras online.

O conjunto de futuras opções tem por objectivo potenciar o mercado único de comércio electrónico ao oferecer maior confiança ao consumidor europeu.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sorria, os Totens estão de olho em você...

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Sorria, pois você está na Bahia.

Nas últimas semanas os soteropolitanos (incluindo a mim mesmo) foram tomados de surpresa com Monolitos em trechos da Orla de Salvador, e de outros cantos da cidade. Deu até para lembrar um pouco do 2001, Uma Odisséia no Espaço, de Artur C. Clark: A macacada lá olhando aqueles objetos pretos, admirados e ansiosos ao mesmo tempo, para entender o que era aquilo.

Mas, no caso de Salvador, não foi nenhuma obra de extraterrestres. Apenas um dispositivo que já foi apelidado de Totem (homenagem a aqueles famosos objetos fálicos de civilizações antigas) colocado pela prefeitura, aos cuidados da empresa Central de Mídia.

Em release na Página da SUCOM a prefeitura explica:

"A população de Salvador já está tendo a oportunidade de ver totens com serviços de utilidade pública funcionando em vários pontos da cidade. Hoje, há cinco na orla, um na Avenida ACM e um na Avenida Garibaldi (que foi o primeiro deles e está com todas as funcionalidades ativadas), e até meados de julho serão 50 espalhados em diversos bairros. Os totens instalados pela prefeitura são estruturas verticais em aço que divulgam informações através de letreiros, banners, bandeiras e painéis. Os equipamentos também expõem publicidades, contêm relógio, termômetro e medem, ainda, a radiação solar ultravioleta.

Os totens ajudam a prevenir a população contra o câncer de pele, através da medição de raios solares; contribuem com a propagação da informação, conhecimento e educação, por meio do sistema WI-FI, que possibilita aos cidadãos o acesso gratuito à internet com até 300 metros de distância dos aparelhos; além de garantir mais segurança, por causa das câmeras que filmam o trânsito e toda movimentação num ângulo de 90° nas proximidades do aparelho".

A jornalista Daniele Rebouças, no Jornal A Tarde, da Sexta-Feira passada, afirma o seguinte:

"Até o final do ano, ao menos cem devem estar espalhados em diversos pontos da cidade, com investimento total de R$ 3,7 milhões, arcados pela Central de Mídia Salvador. Esta foi a única participante e a vencedora do processo licitatório. A empresa deve explorar o espaço publicitário do equipamento por dez anos e a licitação permite a instalação de até 300 totens".

Fiz, por correio eletrônico, alguns questionamentos a SUCOM, não encontrados, infelizmente, em quaisquer das mídias jornalísticas de Salvador.

Eis as questões:
Houve alguma discussão dentro da prefeitura com relação a instalação das câmeras (ou foi decisão da empresa de mídia que instala os totens) ?
    E quanto a privacidade das pessoas filmadas. As câmeras ficarão ligadas 24 horas ? Não há a possibilidade de que as pessoas não desejem ser vistas a qualquer momento nas praias, por exemplo ? Isto também foi debatido ?
    Quem será responsável pelo controle das câmeras ? A prefeitura ou a empresa de mídia ?
    As imagens do "vídeo monitoramento" seriam disponibilizadas onde ? Na Internet ? Em que endereço ?
    Serão utilizadas por órgãos de segurança do Estado ?
    Estou no aguardo das respostas.

    Se responderem até domingo que vem, coloco as respostas aqui. Até lá.

    domingo, 20 de junho de 2010

    Vigiando Crianças

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    Creio que a jornalista Sandra Annenberg tenha passado por este blog. Deve ter lido as críticas que foram feitas ao jornalismo televisivo, que estaria utilizando o tema Vigilância a partir de um viés de entretenimento em excesso, ou também para se declarar subliminarmente a favor da vigilância e do controle originado dela, ao invés de informar sobre as vantagens e desvantagens desse monitoramento sistemático para a sociedade.

    No começo desse mês o Jornal Hoje fez uma pequena matéria, bem elaborada (objetiva e isenta), sobre Vigilância em Creches, e deixa claro ao final que a discussão é boa, após alguns prós e contras debatidos.

    Trouxe até aqui, do portal da Globo, toda a reportagem:

    quarta-feira, 16 de junho de 2010

    "O Olhar Virou Comércio"

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    Em entrevista a jornalista Claudia Nina, publicada no Jornal do Brasil em 08 de Junho de 2002,
     o psiquiátra Antônio Quinet tráz as relações entre vigilância e exibicionismo,
    como me referi no domingo passado.

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    "A sociedade que produz Kleber Bambam e outras celebridades-relâmpagos é a mesma que substituiu o lema ‘penso, logo existo’ por um outro ditado, mais apropriado à lógica do espetáculo: ‘sou visto, logo existo’".

    Essa mesma sociedade é definida pelo psicanalista Antônio Quinet como ‘escópica’, termo que desenvolve em Um olhar a mais: ver e ser visto em psicanálise (Jorge Zahar Editor, 300 páginas, sem preço definido). No livro, Quinet, doutor em Filosofia pela Universidade de Paris, explica as diversas formas do imperativo do olhar: de um lado, a fabricação de celebridades, querendo aparecer a qualquer preço; de outro, a insegurança das grandes cidades que gera a exigência da supervigilância com câmeras e filmadoras escondidas por todos os lados.

    Antônio Quinet analisa o olhar desde a Antigüidade grega até os dias de hoje, abordando temas como os reality-shows e ainda a timidez, o pudor, a inveja, o ciúme, o mau-olhado, a espionagem, entre outros. O psicanalista falou ao JB sobre o trabalho e o sucesso de programas do tipo Big Brother em todo o mundo.

    - Por que a superimportância do olhar nos dias de hoje?

    - A sociedade contemporânea é dominada pelo olhar. Ele é onividente sob variadas formas: desde a proliferação dos programas televisivos de voyeurismo e exibicionismo explícitos até a generalização da vigilância que multiplica as câmeras encontradas em nossos passos todos os dias. Vivemos, hoje, numa sociedade escópica que conjuga o show business e o olho que vigia e pune, materializando o espetáculo com a disciplina e o controle. Essa sociedade comandada pelo capitalismo faz comércio do gozo do ver e do ser visto, e transforma em moeda desde o prazer da exibição até a vigilância do poder.

    - Em uma pesquisa sobre o olhar, é evidente que a questão dos reality-shows não pode ficar de fora. Como você, do ponto de vista da psicanálise, enxerga o sucesso desse tipo de programa em todo o mundo?

    - É o que abordo no último capítulo do livro. Há programas de televisão que tendem, sem pudor, a fundir a vida com o espetáculo. Os programas do tipo reality-show transformam os participantes em celebridades que pagam o preço de se verem reduzidas a objetos de torcida e aposta nesse ‘antropódromo televisivo’. Tudo isso de acordo com um script em que se fabricam as reações (em que até uma psicose pode ser desencadeada). Nessa jogada, em que os jogadores em casa identificados com os jogadores da casa comungam da mesma paixão pela fama, não se sabe mais quem é o sujeito (do jogo) e quem é o objeto (da aposta). O importante é ver tudo e ser visto o tempo todo.

    - À luz da psicanálise, o que leva um indivíduo a querer aparecer em programas do tipo Big Brother?

    - É o olhar, como objeto pulsional, que causa o gozo do espetáculo e o imperativo superegóico de se mostrar e de se exibir: tornar-se visível, virar uma celebridade. Em todos os aparelhos (ideológicos e tecnológicos) é o olhar que se manifesta sob a forma de um mandamento de gozo: ‘Mostre-se!’ Todos aspiram à celebridade como condição de ser alguém. Assim, nos arrumamos e nos enfeitamos para entrar em cena como figurantes ou protagonistas do filme-vida, para agradar o público. A sociedade escópica apropria-se desse desejo para transformar o exibicionismo em imperativo de publicidade, ordenando ao sujeito fazer de tudo para roubar a cena. Reatualiza-se a ilusão de que o sol brilha para todos ao acenar com a possibilidade de que qualquer um pode ser uma celebridade, bastando ser visto pelo outro para existir. Instaura-se um novo cogito: sou visto, logo existo.

    - Em que medida isso se torna prejudicial à sociedade que, cada vez mais, como você escreve, passa a fazer olhos vazados à pobreza, que ninguém quer ver, e ninguém quer que seja vista?

    - Paralelamente à cegueira em relação à pobreza e à miséria, há outro aspecto da sociedade escópica. Se, por um lado, ela impõe uma existência vinculada não apenas à visibilidade, mas à celebridade, por outro ela amplia cada vez mais a vigilância e o controle sobre cada indivíduo. Não é mais possível sair de casa sem se deparar com os dizeres : ‘Sorria, você está sendo filmado’, verdade ou mentira pouco importa, pois a própria frase faz existir um olhar invisível pousado no sujeito. Entretanto, não precisamos de um dispositivo concreto para nos sentirmos olhados - o neurótico está sempre se sentindo olhado e o paranóico, fabricando um delírio de observação. A instância desse olhar atribuído ao outro é chamada por Freud de supereu, que vigia e pune o sujeito. Olhar ‘sobre-mim’. A sociedade escópica, ao utilizar essa estrutura subjetiva, multiplicando seus dispositivos de vigilância eletrônica (câmeras onividentes), transforma a nós todos em objetos vistos e controláveis. A transparência vira um ideal. O pobre só é visto nessa sociedade para ser vigiado, pois é considerado potencialmente um criminoso.

    domingo, 13 de junho de 2010

    Lindsay e sua Tornozeleira

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    Lindsay Lohan, atriz norte-americana, foi julgada em um tribunal de Los Angeles no último dia 24 de Maio e, por decisão judicial, terá que usar a tornozeleira até o mês de julho, quando voltará a acertar as contas com a justiça. A atriz está em liberdade condicional desde agosto de 2007, depois de admitir uso de drogas e ser pega dirigindo embriagada.

    Com seu apetite exibicionista de sempre deixou sua tornozeleira à mostra nos bastidores de uma sessão de fotos, em Hollywood. A atriz, tirou os sapatos e relaxou em um sofá depois de fazer novas fotos para o livro "The Dirty Side of Glamor", do fotógrafo Tyler Shields.

    Na Quarta-Feira falaremos um  pouco dessa mistura nem sempre glamourosa entre exibicionismo e vigilância.

    quarta-feira, 9 de junho de 2010

    Relatos acerca da Sociedade da Vigilância (4ª Parte)

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    Exponho hoje aqui os sub-itens do Relatório sobre Vigilância que definem os motivos pelo qual devemos entender a sociedade em que vivemos como uma Sociedade de Vigilância.

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    3.5 - E o que dizer da vigilância como adjetivo, descrevendo um tipo de sociedade? De onde veio a ideia da sociedade da vigilância? Como era de se esperar, a ideia começou a aparecer após a primeira onda de computadorização das organizações nos anos 70. Na época, a principal metáfora era a do ‘Grande Irmão’ do famoso romance de George Orwell, 1984. Nos anos 80, vários estudos sérios foram escritos com base nos dos anos 701 e alguns começaram a usar o termo ‘sociedade da vigilância’. Gary T. Marx invocou 1984 no que foi a primeira referência da ciência social à ‘sociedade da vigilância’ em 1985, seguida pelos comentários de Oscar Gandy sobre o ‘controle social burocrático’ — uma referência ao trabalho de Max Weber, também atualizado para a era digital, e que também alertava para a ‘sociedade da vigilância’.
    3.6 - Curiosamente, nossa imagem de vigilância por parte do estado costuma ser moldada por romances e filmes. Exemplos proeminentes são O Processo (1914) de Franz Kafka, no qual a figura enigmática de Josef K (o que aconteceu com o nome dele?) confronta acusadores desconhecidos com acusações pouco claras, ou 1984 (1948) de George Orwell, que pinta um quadro aterrorizante de uma vigilância detalhada e condenatória por parte do estado-nação, personificado pela imagem sinistra e assombrosa do ‘Grande Irmão’. Esses romances destacam o papel crucial da informação (ou da falta dela, da parte dos vigiados) em governos burocráticos, ao lado da constante ameaça do totalitarismo.
    3.7 - Kafka e Orwell só não tinham como prever a ascensão dos computadores e a completa digitalização da administração. Afinal, o ‘chip de silício’ só surgiu trinta anos depois de 1984. Mas a partir dos anos 70, os computadores proporcionaram uma maciça expansão nas formas como a vigilância e o controle burocrático ocorriam. Ainda que os dilemas da vigilância sejam explorados brilhantemente em A Conversação (1974), o filme se baseia principalmente na vigilância convencional de áudio e escutas. Filmes mais recentes como A Rede (1995), Inimigo do Estado (1998) e Minority Report (2002) tratam mais diretamente da vigilância baseada em TI. No entanto, como os filmes são sensacionalistas, dependem de seu sucesso na exploração das capacidades tecnológicas, e não das consequências cotidianas da vida em sociedades vigiadas.
    3.8 - Por isso é útil voltarmos às ciências sociais. Mesmo com as mudanças ocorridas nos negócios e nos governos desde a época de Weber — computadorização, redes, globalização e até mesmo o ‘gerenciamento de relacionamentos’ — os princípios básicos ainda se aplicam. É por isso que as visões de Weber sobre o mundo moderno da vigilância são tão significativas. Ele viu essa vigilância, mantendo registros detalhados, reunindo informações, limitando o acesso a pessoas qualificáveis, não como uma mera evidência do ‘progresso’, mas como profundamente ambígua. No pior dos quadros, ele previu que o mundo eficiente e sem alma da organização burocrática se tornaria uma ‘jaula de ferro’. As pessoas comuns se sentiriam aprisionadas em um sistema impessoal e que não se importa. Adicione a isso a indiferença maligna dos interrogadores de Josef K, ou os caprichos de um ditador implacável como o ‘Grande Irmão’, e o resultado será uma receita para a repressão.
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    Se desejarem mais informações a respeito deste Relatório, ou uma leitura mais pormenorizada, devem ir ao link que segue:

    surveillance_society_full_report_2006.pdf

    Domingo estou de volta.

    domingo, 6 de junho de 2010

    Relatos acerca da Sociedade da Vigilância (3ª Parte)

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    2.8 - É bom estabelecer mais três questões com respeito ao que há de errado na sociedade da vigilância.
    2.8.1 - A primeira tem a ver com o que foi dito sobre circunstâncias excepcionais e consequências indesejáveis. É imperativo inspecionar sistemas que permitam o desenvolvimento de desigualdades gritantes de acesso e oportunidades. É claro que, como todos os autênticos sistemas de vigilância se propõem a discriminar um grupo do outro, isso é difícil, mas o problema pode ao menos ser trazido a público. Infelizmente, os modos dominantes da expansão da vigilância no século 21 estão produzindo situações nas quais distinções de classe, raça, sexo, geografia e cidadania são exacerbadas e institucionalizadas. Nosso relatório detalha essas situações.
    2.8.2 - A segunda, que diz respeito mais profundamente à solidariedade e à coesão social, é a de que todos os processos e práticas de vigilância atuais revelam um mundo no qual sabemos que não confiam em nós. A vigilância fomenta a desconfiança. O patrão que instala monitores de teclas digitadas em estações de trabalho ou dispositivos de GPS em veículos de serviço está dizendo que não confia em seus empregados. O administrador de benefícios previdenciários que procura por evidências de fraudes está dizendo que não confia em seus clientes. E quando os pais começam a usar câmeras e sistemas de GPS para conferir as atividades de seus filhos adolescentes, eles também estão dizendo que não confiam neles. Você pode fazer uma objeção aqui, dizendo que alguns desses procedimentos são mera precaução. Mas até onde isso pode ir? As relações sociais dependem da confiança, e permitir que essa confiança seja minada desse jeito pode parecer um lento suicídio social.
    2.8.3 - A última questão relativa à sociedade da vigilância tem a ver com uma constante preocupação de que a vigilância, especialmente a associada à alta tecnologia e ao antiterrorismo, sirva como uma distração às alternativas e a outros assuntos mais urgentes. Podemos nos perguntar se essa é mesmo a melhor maneira de perseguirmos esses objetivos. Infelizmente, e sem sucumbir ao cinismo, temos que observar que a provisão de novas tecnologias de vigilância apoia a economia, ajuda a manter longe os 'indesejados', confere a aparência de ação definitiva, dá a impressão de que as saídas estão bloqueadas e apoia a postura de que tudo isso é normal.
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    Na Quarta-Feira que vem traremos a última transcrição traduzida do Relatório sobre a Sociedade da Vigilância, identificando justamente os motivos desta adjetivação para nossa sociedade, neste início do Século XXI.

    Até lá.

    quarta-feira, 2 de junho de 2010

    Relatos acerca da Sociedade da Vigilância (2ª Parte)

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    Hoje continuamos a mostrar os itens de Histórico e Definições no Relatório sobre Vigilância o qual já vimos no Domingo passado.

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    1.5 - Quando o estado-nação estava em seu auge e os departamentos proliferaram, após a Segunda Guerra, os sistemas começaram a rachar e a ruir com a pressão. Mas o socorro estava a caminho, na forma dos novos sistemas computadorizados que reduziam a intensividade do trabalho e aumentavam a confiabilidade e o volume de trabalho que podia ser realizado. Com o tempo, e com os novos sistemas de comunicação, hoje conhecidos sob o grupo TI (Tecnologia da Informação), a administração burocrática poderia funcionar não só entre departamentos da mesma organização, mas também entre organizações diferentes e, eventualmente, de forma internacional. Algo muito parecido também se aplica aos negócios, que primeiro mantinham registros, depois estabeleceram redes e então se tornaram globais, por cortesia da TI. Essas atividades ‘combinadas’ se relacionam aos desejos modernos e técnicos por eficiência, velocidade, controle e coordenação.
    1.6 - As práticas impessoais e centradas em regras deram origem à vigilância. A vigilância dos subordinados e a criação de registros no sistema são essenciais para a burocracia. As práticas de contabilidade de dupla entrada e do corte de custos e aumento dos lucros aceleraram e deram força a essa vigilância, que tinha impacto na vida operária e no consumo. E o crescimento dos departamentos militares e de polícia no século 20, impulsionado pelo rápido desenvolvimento de novas tecnologias, aprimorou as técnicas de coleta de informações, identificação e rastreamento. Mas a mensagem principal é a de que a vigilância cresce como parte do que é ser moderno.
    E o Relatório a partir desse momento inicia o item O que há de errado com a sociedade da vigilância ?, servindo como um alerta para a sociedade atual onde os dispositivos de vigilância e controle começam a ser vistos de forma naturalizada, como se fossem as CCTVs, por exemplo, necessidades absolutas para a humanidade.
    2.1 - Entender a sociedade da vigilância como um produto da modernidade nos ajuda a evitar duas armadilhas importantes: pensar na vigilância como um esquema maligno arquitetado por poderes perversos, e pensar que a vigilância é única e exclusivamente um produto das novas tecnologias (obviamente, os mais paranóicos veem essas duas coisas como uma só). Mas pôr a vigilância sob a perspectiva certa, como o resultado da burocracia e do desejo por eficiência, velocidade, controle e coordenação, não significa que esteja tudo bem. Só o que isso significa é que temos que ser cuidadosos ao identificar as questões principais, e vigilantes ao chamar a atenção para elas.
    2.2 - A vigilância tem dois lados, e é preciso reconhecer seus benefícios. Por outro lado, riscos e perigos sempre se apresentam em sistemas de larga escala, e é claro que o poder corrompe ou ao menos deturpa a visão daqueles que o possuem.
    2.3 - Vamos começar pelos riscos e perigos. Estamos mais acostumados a eles, já que no século passado se tornou pública a constatação de que o ‘progresso’ é uma benção dúbia. Todo aumento na produção de ‘benefícios’, como Ulrich Beck afirmou de forma sucinta, também implica em uma maior produção de ‘malefícios’.
    2.4 - Além dos relacionados ao meio ambiente, que tinham lugar de destaque na concepção de Beck, alguns desses ‘malefícios’ são sociais e políticos. As infraestruturas tecnológicas de larga escala são especialmente propensas a problemas em larga escala. E nos sistemas computadorizados em particular, o pressionar acidental ou mal orientado de uma tecla pode facilmente causar uma grande confusão. Pense na liberação para fins de ‘pesquisa’ dos tópicos pesquisados online por vinte milhões de pessoas comuns por parte da AOL, em agosto de 2006. Supostamente não havia identificadores, mas em pouquíssimo tempo os registros de pesquisas começaram a ser conectados aos nomes. Este relatório lança um olhar sob alguns dos problemas dos sistemas de vigilância de larga escala.
    2.5 - É igualmente importante lembrarmos-nos da questão do corrompimento e da deturpação das visões do poder. Mais uma vez, não precisamos imaginar um tirano cruel obtendo chaves de acesso a bancos de dados médicos ou da previdência social para enxergar o problema. O corrompimento do poder inclui líderes que apelam a um suposto bem maior (como a vitória na guerra) para justificar táticas incomuns ou extraordinárias.
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    Como gosto de usar o que se passa pelas mídias no que se refere ao tema deste blog, hoje recorri a uma das séries americanas que podemos assistir em canais de TV a Cabo ou Satélite: 24 Horas.

    As vêzes podemos até pensar que algumas sequências de filmes são obra da fértil imaginação dos seus roteiristas e diretores. Em Minority Report, por exemplo, os computadores de uma loja, ajudadas por leitores de iris, conseguem identificar os seus clientes, e com o banco de dados de suas compras anteriores podem "motivá-lo" a comprar novos produtos. Isso ainda pode ser ficção científica.

    Mas na sequência que segue de 24 Horas é real a possibilidade do governo americano identificar quaisquer pessoas "não-gratas", em qualquer local onde haja câmeras de vigilância. Essa sequência foi retirada do décimo episódio, na oitava temporada.


    Quarta-Feira que vem trarei mais uma parte traduzida do Relatório sobre Vigilância. Até lá.