domingo, 2 de maio de 2010

A Privacidade Hoje

______________________________
.

Hoje postamos aqui um trecho do livro "A Vida na Sociedade da Vigilância", do italiano Stefano Rodotà.

Naquele segmento, o jurista italiano apresenta bem resumidamente uma introdução à edição brasileira do seu livro, editado em 2007. Ele começa ali a discussão sobre a necessidade de se buscar a "utopia necessária se se deseja garantir a natureza democrática de nossos sistemas políticos" e também "para impedir que novas sociedades se tornem sociedades de controle, vigilância e seleção social". 

A "utopia necessária" a que ele se refere é justamente a proteção aos dados pessoais.

Eis o texto logo abaixo. E até a próxima Quarta-Feira.

*******

A Proteção de Dados como Direito Fundamental

Vivemos num tempo em que as questões relacionadas à proteção de dados pessoais se caracterizam por uma abordagem marcadamente contraditória – de fato, uma verdadeira esquizofrenia social, política e institucional. Tem-se aumentado a consciência da importância da proteção de dados no que se refere não só à proteção das vidas privadas dos indivíduos, mas a sua própria liberdade. Esta abordagem reflete-se em inúmeros documentos nacionais e internacionais, principalmente na Carta de Direitos Fundamentais da Comunidade Européia, na qual a proteção de dados é reconhecida como um direito fundamental autônomo. Ainda assim, é cada vez mais difícil respeitar essa presunção geral, uma vez que exigências de segurança interna e internacional, interesses de mercado e a reorganização da administração pública estão levando à diminuição de salvaguardas importantes, ou ao desaparecimento de garantias essenciais.

O que devemos esperar do futuro? A tendência que emergiu ao longo dos últimos anos continuará ou voltaremos, ainda que com dificuldades, ao conceito original da proteção de dados pessoais, que inaugurou uma nova era para a proteção das liberdades com uma abordagem realmente progressista?

Se alguém enxerga a realidade com imparcialidade, encontra razões para o pessimismo. Mesmo antes do 11 de setembro, particularmente por conta de exigências do mercado e da tendência de montagem de bancos de dados cada vez maiores de consumidores e de seus comportamentos, havia comentários sobre o “fim da privacidade”. Atualmente, no entanto, se percebemos o modo como o mundo está mudando, emerge uma questão mais radical para responder. O “fim da privacidade” é cada vez mais comentado. Alguns anos atrás, Scott MacNally, executivo-chefe da Sun Systems, disse com sinceridade: “Vocês não têm nenhuma privacidade, de qualquer modo. Aceitem isso". Num filme de 1998, dirigido por Tony Scott, “Inimigo do Estado", um dos personagens principais diz: "A única privacidade que você tem está na sua cabeça. Talvez nem mesmo lá”.

Esta dúvida está se tornando uma realidade perturbadora. Têm sido realizadas pesquisas sobre “digitais cerebrais", a memória individual está sendo investigada em busca de indícios que possam apontar para a memória de eventos passados e, portanto, sejam consideradas como prova da participação em tais eventos. Um século atrás, ao destacar o papel desempenhado pelo subconsciente, Freud percebeu que o Eu não estava mais no controle. Atualmente, podemos sustentar com segurança que a privacidade mental, a mais íntima esfera, está sob ameaça, violando a dimensão mais reclusa de uma pessoa. Depois do 11 de setembro, “a privacidade na era do terror” parece estar condenada. A privacidade, além de não ser mais vista como um direito fundamental, é, de fato, frequentemente considerada um obstáculo à segurança, sendo superada por legislações de emergência.

A realidade distancia-se cada vez mais do arcabouço dos direitos fundamentais, por conta de três motivos básicos. Primeiramente, depois do 11 de setembro muitos critérios de referência mudaram e as garantias foram reduzidas em todo o mundo, como demonstra, particularmente, o Patriot Act nos EUA e as decisões na Europa sobre a transferência para os EUA de dados sobre passageiros de linhas aéreas e sobre a retenção de dados quanto às comunicações eletrônicas. Em segundo lugar, esta tendência no sentido de diminuir as garantias foi estendida a setores que tentam se beneficiar da mudança do cenário geral - como o mundo dos negócios. Em terceiro lugar, as novas oportunidades tecnológicas tornam continuamente disponíveis novas ferramentas para a classificação, seleção, triagem e controle de indivíduos, o que resulta numa verdadeira maré tecnológica que as autoridades nacionais e internacionais nem sempre são capazes de controlar adequadamente.

(Pag. 13/14)

5 comentários:

Anônimo disse...

Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

"Só há dois estados possíveis para o homem: estar dentro ou fora da sociedade.

Na sociedade as condições são necessariamente iguais excepto o grau de estima e consideração que cada um pode alcançar.

Fora da sociedade o homem é uma matéria explorável, um instrumento capitalizado, muitas vezes um móvel incómodo e inútil."

Anônimo disse...

"Theodor Adorno, alemão do grupo filosófico denominado Escola de Frankfurt, cunhou o célebre conceito conhecido como “indústria cultural”.

O conceito serviria para resumir o que ele considerava a exploração dos bens culturais para obtenção de lucro.

Era pessimista com relação a isso.

A sociedade capitalista a cada dia que passasse se especializaria mais naquela exploração.

E os seres humanos dentro dessa sociedade estariam sempre mais propícios a serem manipulados e arrastados pela alienação que o sistema implantava, e mantinha.

Será que existiriam brechas contra essa alienação ?"

Joseph Baptiste

Anônimo disse...

Olá, Carlos,

Adoro entrar nesse blog e ver o que há de novo na perspectiva anti-panopticismo. Mas tem alguns comentários aqui que são verdadeiras pérolas mecanicistas.
Semana passada foi o negócio de ter apenas dois tipos de homens. Alguém chutou que foi Foucault que falou.
Dessa vez são dois tipos de sociedade. Argh !!! que reducionismo anarquista é esse?
Bem que sempre achei o Proudhon um zebrista, no sentido de tomista, mesmo (como diria nosso "mestre" Ricardo Liper).
E a comprexidade do mundo vai para as cucuias.

Anônimo disse...

Pierre-Joseph Proudhon (1809 ~ 1865):

Assim tudo se harmoniza para nos dar a lei da igualdade:

jurisprudência, economia política, psicologia.

O direito e o dever, a recompensa devida ao talento e ao trabalho, os impulsos do amor e do entusiasmo, tudo se regula antecipadamente por uma bitola inflexível, tudo deriva do número e do equilíbrio.

A igualdade das condições, eis o princípio das sociedades, a solidariedade universal, eis a sanção da lei.

Anônimo disse...

Gostaria parabenizar suas postagens! Atualmente preciso de subsidios para montar meu projeto de pesquisa na área da geografia do medo..E encontrei nesse blog um OTIMO meio de reflexão. Gostaria de pedir que aumentasse a quantidade de resenhas, ok? abraçao