quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O AI-5 Digital está de volta.

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O texto que posto aqui hoje foi publicado no mês de Novembro de 2010 no Blog do Deputado Federal do PT, Paulo Teixeira. Ele aborda o retorno do projeto de lei conhecido como AI-5 Digital ao plenário da Câmara dos Deputados. No texto dá para entender porque o apelidaram de AI-5 Digital, e porque boa parte dos que defendem a liberdade de expressão na Internet são contra ele.

Boa leitura e que todos tenhamos um ótimo 2011. Até Domingo.

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A ressurreição

No início do mês de outubro, enquanto boa parcela da sociedade e do Congresso se voltava à campanha eleitoral e aos resultados das eleições estaduais e federal, o Projeto de Lei (PL) 84/99, de autoria do senador Eduardo Azeredo, embora não tenha sido aprovado em qualquer Comissão da Câmara dos Deputados, recebeu parecer favorável em duas delas – a de Segurança Pública e a de Constituição e Justiça.

Com isso, caso o Projeto seja aprovado nessas duas comissões, estará pronto para ir ao plenário e, se deputados federais assim decidirem, ele pode se tornar lei.

O projeto

O Projeto do senador Azeredo, para aqueles que não o conhecem ou dele não se lembram, recebeu a alcunha de “AI-5 Digital” por conta dos malefícios que sua aprovação poderia causar à privacidade, e por tornar crime muitas das práticas cotidianas de todos os internautas – como baixar músicas e filmes ou trocar arquivos.

Caso se torne lei, o PL 94/99 obrigará que provedores de conteúdo (como, por exemplo, os serviços de e-mail e os publicadores de blogs) sejam responsáveis pela guarda dos logs (os registros de navegação) dos usuários. Pior que isso, fará com que haja uma “flexibilização” nas regras para que esses registros sejam obtidos. Isso significa, na prática, que nossos dados poderão ser divulgados à polícia ou ao Ministério Público sem a necessidade de uma ordem judicial.

Além disso, o Projeto dificulta a atividade das lan houses e inviabiliza a existência de redes abertas, pois exige a identificação de cada usuário conectado à internet.
Nossa posição/ação

Além de criminalizar ações absolutamente corriqueiras na internet, o PL 94/99 representa um verdadeiro atentado à privacidade. Sem o menor rigor jurídico, corre-se o risco de se ter dados de navegação expressamente violados, muito embora nossa Constituição preveja que a quebra de sigilo só pode ser realizada mediante ordem judicial.
Neste momento, no entanto, surgem novos desafios. O primeiro deles, sem dúvidas, é trabalhar para barrar, de uma vez por todas, no Congresso Nacional, o AI-5 Digital, de modo que ele não seja aprovado nas Comissões da Câmara. Paralelo a isso, nossa grande alternativa para assegurar concretamente os direitos dos usuários da internet no Brasil é discutir e aprovar o Marco Civil da Internet. Nesse sentido, temos a possibilidade de sacramentar uma legislação pioneira, capaz de compreender a verdadeira dinâmica da internet e de seus usuários.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Saiu na SUPER...

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A Revista Superinteressante na sua edição verde, de Dezembro, vem com duas informações sobre vigilância que nos interessam de verdade.
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Uma delas é aquela em que se fala de um Site que "permite que qualquer pessoa vigie câmeras de segurança pela Internet - e ganhe até R$ 2.600 se denunciar um crime".

Abaixo transcrevo um trecho da notícia:
Toda grande loja ou supermercado está cheio de câmeras de vigilância. Só que os seguranças, por cansaço ou distração, nem sempre conseguem detectar os furtos. Então que tal transformar essa tarefa numa espécie de gincana virtual? É a proposta do Internet Eyes (interneteyes.co.uk), um site que acaba de ser aberto na Inglaterra e permite que qualquer pessoa vigie as câmeras de diversas lojas e empresas. O usuário precisa se cadastrar (podem participar pessoas de todos os países da União Europeia) e pagar uma taxa mensal equivalente a R$ 5. Feito isso, basta se logar no site, que exibe as imagens de 4 câmeras de cada vez. Os nomes e endereços das lojas não são identificados. A pessoa fica vigiando as câmeras pelo tempo que quiser. Se perceber algo suspeito,  clica num botão - e um alerta imediato é enviado, via SMS, para o dono do estabelecimento comercial. A cada mês, o usuário que tiver detectado mais furtos ganha R$ 2.600. Já quem passar trotes é expulso do site.
Uma das evidências que normalmente se busca para "provar" a existência de uma Sociedade de Controle  entre nós é, justamente, um Poder em Rede. Diferentemente da Sociedade Disciplinar (Sec.18 ao Sec. 20) onde o vigiado seria individualizado, preso dentro de uma cela, por exemplo, no Poder em Rede, os vigiados estariam dispersos espacialmente, tal como nós conectados de uma rede computacional. Assim, "o diagrama em rede permite e estimula a comunicação lateral entre esses nós, de forma que eles mesmos forneçam informações e alimentem o banco de dados". Essa é a ideia de Marco Vinício Zimmer, autor da Tese de Doutorado: O Panóptico está Superado ? Estudo Etnográfico sobre a Vigilância Eletrônica.

Dessa forma, ratificando as ideias de Gilles Deleuze, o autor da Tese reforça que o controle deixa de ter sua origem em apenas um lugar central. A vigilância, a partir da aparição da Sociedade de Controle, emanará de todos os lugares, "como uma rede, sem começo, meio ou fim".

A outra matéria da SUPER é abordando um pouco da velha agonia do governo norte-americano para vigiar a Internet. 

É que um novo projeto de lei está no Congresso dos EUA e prevê o monitoramento de sites e serviços da rede mundial. Obviamente está meio mundo de olho, e reclama da possível regulamentação como contrária a liberdade de expressão, mas o governo de Obama, claro, adverte que a lei é para a proteção da população e contra terroristas apenas.

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A Tese de Marco Zimmer pode ser encontrada no endereço a seguir:


As matérias da Superinteressante só podem ser lidas integralmente na própria revista em papel. Pelo menos neste mês de publicação. Com o tempo as matérias vão sendo disponibilizadas no Site específico.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Um pouco mais de legislação

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O texto a seguir é do advogado parecerista e escritor Roberto Victor Pereira Ribeiro, transcrito do site DireitoCE:
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Hodiernamente vivemos um estilo de vida vigiados constantemente por aparelhos de monitoramento. Talvez o grande Orwell já previa tal situação quando criou a figura do “Big Brother” em sua célebre obra “1984”.

Para onde nos viramos sempre tem uma câmera a nos observar. Diante desse quadro uma pergunta paira no ar:

Onde reside nossa privacidade? Possuímos realmente direito a ela?

É cediço lembrar que a conquista da privacidade foi um avanço indelével para as garantias dos cidadãos e nada pode, nem deve, retirar esse direito essencial.

No entanto, em prol da segurança coletiva existe a necessidade de espalhar aos quatro cantos os meios de monitoramentos mais modernos que existem.

O ordenamento jurídico brasileiro acompanhou essa evolução natural da vigilância e por isso passou a doutrinar algumas questões.

Dois estilos de monitoramento crescem diuturnamente: em lugares públicos (em postes, hastes, cruzamentos de semáforos) e os particulares (empresas, recinto doméstico, condomínios, comércios).

Face ao monitoramento público podemos discorrer que dificilmente será provada a invasão de privacidade, uma vez que a pessoa encontra-se em logradouro público e não está totalmente na sua privacidade. Porém, há situações que podem diferir desse raciocínio.

Um exemplo dessa visão diferente ocorre nos casos de câmeras instaladas em condomínios com suas lentes focando a rua ou a calçada. Por ser um local público fica mais difícil preservar a intimidade.

Faz-se mister comentar que tais vídeos só podem ser demonstrados via mandado judicial, e seu armazenamento deve respeitar ditames próprios da atividade (regimento de empresas de vigilância).

Nos monitoramentos particulares, há a necessidade imperiosa do aviso ´Você está sendo filmado`, sob pena de lesar frontalmente o princípio da privacidade do cidadão preconizado pelos artigos 5º, X, da Constituição Federal, 21 do Código Civil e 10º da lei de Interceptação.

Outro aspecto importante que deve ser observado diz respeito à colocação das câmeras: é totalmente vedado colocar câmera apenas voltada para um funcionário “x” ou apenas no andar ´z` de um condomínio, por exemplo.

Colocar a câmera vigiando apenas um funcionário no meio de muitos pode ser considerado assédio moral. Decisão da egrégia juíza Maria de Lourdes do TRT 12º Região: ´A Instalação de câmera filmadora no local de trabalho, sem comunicação aos empregados, ainda que seja medida de segurança, ofende o direito à intimidade`.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Afinal, para que servem os Totens ?

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No mês de Junho deste ano fomos surpreendidos, os soteropolitanos, com alguns novos elementos na paisagem de algumas de nossas praias. Eram os agora conhecidos como Totens Publicitários, que têm em seus corpos propagandas diversas, acompanhadas de informações como Temperatura Ambiente, Hora, Índice de Proteção Solar, e também de Sinal de Internet (para aparelhos que tenham a tecnologia sem fio – Wireless). Em alguns dos totens também foram instaladas câmeras de vigilância.

Estes totens já haviam sido instalados também nas cidades de Florianópolis e Rio de Janeiro. Aqui foram recebidos pelos jornais com algumas reportagens. Todas eram quase como cópias de releases da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (SUCOM).

Infelizmente aquelas reportagens não se interessam em investigar as mínimas informações que poderiam servir ao público. Como, por exemplo, questões técnicas a respeito da medida de proteção da pele contra os raios ultravileta. Os números 15, 30 ou 50 não aparecem a toa. E aquelas medições são baseadas em alguma norma? Seriam aferidas em determinados intervalos de tempo para saber se estão de acordo com o especificado por norma? Afinal de contas, aquela informação é uma questão de saúde.

Outra questão também pouco explicada, tanto pelos jornais, quanto pela SUCOM, é a respeito do monitoramento por câmeras de vigilância. Para a SUCOM em seu site na Internet os totens também garantem segurança justamente “por causa das câmeras que filmam o transito e toda movimentação num ângulo de 90° nas proximidades do aparelho”.


Quanto a este tema foram enviadas ainda no mês de junho algumas questões para a Assessoria de Comunicação da SUCOM. Discutiu-se a respeito da violação da privacidade das pessoas filmadas? Quem seria responsável por ver as imagens? Elas seriam gravadas, poderiam ser vistas por qualquer pessoa que as solicitasse?

A SUCOM respondeu:

A questão foi debatida, tendo sido decidido que as câmeras ficarão ligadas 24 horas, tendo como base o entendimento da SUCOM de que o interesse público (segurança e mobilidade) deve prevalecer sobre o privado. As câmeras serão instaladas em lugares estratégicos que possibilitem captar imagens especialmente em calçadas e ruas. Com o objetivo de preservar a intimidade das pessoas, não serão filmados os rostos das pessoas na areia da praia ou do mar.”

Não encontramos mais notícias dos totens até Outubro, quando o site de Samuel Celestino informa que o Ministério Público acionou a SUCOM por supostas irregularidades técnicas na contratação dos equipamentos. A SUCOM se defendeu no mesmo dia da denúncia explicando como se deu a contratação. E depois disso apenas silêncio.


Os totens estão hoje em funcionamento. Fizemos uma visita a alguns deles na área do Jardim de Alá, uma das praias de Salvador. Vimos dois deles com a existência de câmeras, apontadas para o tráfego da Avenida Octávio Mangabeira.

Aproveitamos o sábado de pouco sol e fomos ver o que a população acha dos totens.


Quem quiser informações “oficiais” a respeito dos totens pode ligar para os telefones 2201-6900 e 2201-6660 (SUCOM). Quem sabe, com sorte, os atendentes até consigam dar a senha para o uso da rede Wireless nos Notebooks pessoais ou Smartphones que por ventura levemos para a praia. Tentamos abrir a Internet lá na praia, mas não fomos felizes na empreitada.

Finalmente, uma das pequenas entrevistas que fizemos na praia nos fez perceber que na Bahia o importante é não se deixar estressar. Trouxemos a entrevista para aqueles que navegam por aqui tenham a mesma oportunidade que tivemos.


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Esta postagem foi construída coletivamente por Yuri Abreu, Carlos Baqueiro e Newton Magalhães, fazendo parte das avaliações da disciplina Telejornalismo na Era Digital, do Curso de Pós-Graduação em Jornalismo e Convergência Midiática, da Faculdade Social da Bahia.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O Controle que vem da Tela

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Olá, nobre visitante,

Hoje foi um dia bem puxado. Só consegui abrir o blog agora (23:15 h) para atualizá-lo.

Como não quero perder o padrão de atualização (quartas e domingos) encontrei um texto que escrevi há alguns anos em um boletim chamado Mídia Rebelde, produzido por um grupo de amigos e colegas da faculdade de jornalismo, e faço a postagem dele hoje aqui.

Espero que gostem. E até o próximo domingo.

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MUITO ALÉM DOS TELEJORNAIS


Por que os telejornais, de uma maneira geral, são tão parecidos, tanto na forma, quanto no conteúdo?

Se fizermos uma amostragem diária daqueles jornais podemos perceber, por exemplo, que poucas notícias e abordagens dos fatos do dia se diferenciam umas das outras. Temos assim a impressão de que a importância dos acontecimentos (e sua transformação em notícia) têm igual valor para todos os canais. Ou melhor esclarecendo, percebe-se que todos os canais de TV tem visões de mundo bastante parecidas, e assim pretendem repassá-la aos telespectadores.

Se no conteúdo as coisas são assim, na questão de formato as semelhanças são mais aviltantes. Todos os jornais têm seus blocos delineados de uma mesma forma, com as notícias sendo passadas rápida e superficialmente.

Esse modelo é tão sistêmico que podemos encontrar, por exemplo, no Manual de Assessoria da Câmara Federal a informação de que para um jornal de TV é “necessário” ao jornalista ser o mais “claro e conciso” possível, não sendo correto que o mesmo externe suas opiniões. Seguindo este procedimento padrão os telejornais têm dentro de seus blocos notícias de parcos 2 minutos, no máximo. Dentro de amostragem efetuada, em determinados dias, a média de tempo das notícias pode chegar a apenas 1 minuto!

Alguns especialistas da área de comunicação criticam violentamente este modelo de jornalismo. Pierre Bourdieu, sociólogo francês, no livro Sobre a Televisão, publicado no Brasil, criticou e atacou os jornalistas franceses por defenderem e aplicarem aquela visão de comunicação, fenômeno chamado por ele de “fast thinking”, o qual, segundo o próprio Bourdieu, faz com que os telespectadores se acostumem a receber informações sempre em blocos, rápida e descontextualizadamente, perdendo assim a capacidade de compreender os acontecimentos como elementos de um elo maior, e vendo a vida cada dia mais como apenas um “espetáculo” com fatos soltos e dispersos.

Em Salvador, se assistirmos ao Bahia Meio-Dia, Jornal da Manhã, Aratu Notícias, Página 1, entre outros, veremos que se diferenciam apenas pela qualidade técnica. Alguns pelo colorido mais bonito, ou pelas imagens sem riscos e sombras. Alguns deles com apresentadores impecáveis (com direito à maquiagem e tudo mais), até com ternos alugados de boas lojas. Câmeras digitais, som estéreo, etc...

Porém, e infelizmente, todos com o mesmo tratamento superficial e pobre dado às notícias, talvez com medo de que o espectador inicie, a partir de abordagens mais refinadas, um processo de reflexão, e se mobilize, em busca de mudanças muito além da TV.

Texto publicado em Mídia Rebelde, Março de 2006

domingo, 12 de dezembro de 2010

Resenha: Discurso da Servidão Voluntária

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Há alguns posts atrás algum de nossos visitantes comentou sobre o livro Discurso da Servidão Voluntária, de Étienne de La Boétie. Pedi a um dos nossos mais assíduos colaboradores (comentando em nossas postagens) que fizesse uma resenha sobre o livro, e ele aceitou a sugestão. Hoje trazemos aqui essa colaboração feita com exclusividade para este blog.

Vejam ai. E até a Quarta-Feira que vem.

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El Brujo
Os séculos XV e XVI são marcados pela expansão territorial; novas fronteiras são abertas e surgem novos ‘povos’ com perfis civilizatórios que colocam em xeque o modo de vida do mundo dito conhecido.
O mundo ocidental e a sua busca incansável pela autoridade referendada sempre no UM; seja ele o deus monoteista na religião, seja o estado absolutista na ciência política e/ ou a escritura como a única verdade crível no mundo do conhecimento (só vale o que está escrito, seja na lei secular, na fé ou na ciência).
Indo um pouco mais além, podemos afirmar que esses ‘mundos’ ao entreolharem-se se declararam – logo de imediato – como inconciliáveis e antagônicos nos seus desenvolvimentos civilizatórios...
Nesse instante o choque civilizatório se fez presente e perdurou pela opressão dos mercadores de especiarias (temperos aromáticos), sedas, chás, alucinógenos, metais e cristais preciosos etc.

Visto que a autoridade – tão querida aos ocidentais – não se permitia ao luxo do convívio com a liberdade sem adjetivações; fortalecendo, por isso, a ingerência protetora da lei, da fé e ou da ciência nas relações societárias.
Étienne de La Boétie (1º. de novembro de 1530 — 18 de agosto de 1563) escreve, entre os 16 ou 18 anos, seu panfleto/ ensaio sobre o ‘discurso da servidão voluntária’.

E nele tenta encontrar respostas para a questão da submissão a que o homem ocidental se submetia cega e voluntariamente, e que dessa submissão retirava para si prazeres e regozijos como súditos do rei, da lei e de deus.

Como nos esclarece La Boétie:

“Da razão que nasce conosco ou não, o que é uma questão debatida a fundo pelos acadêmicos e abordada por toda a escola dos filósofos, por ora não pensaria falhar ao dizer o seguinte:
há em nossa alma alguma semente natural de razão que, mantida por bom conselho e costume, floresce em virtude e, ao contrário, freqüentemente sufocada, aborta, não podendo enfrentar os vícios sobrevindos.”

Faz-se necessário, portanto, interrogarmos por que se aceitar prestimosamente a dominação do UM (deus, rei e/ ou a lei) contra todos (indivíduo ou coletivo)?

Visto que, nas palavras de La Boétie,

"É natural no homem o ser livre e o querer sê-lo; mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe dá"

Isso se dá, portanto, através da negação/ servidão do indivíduo pela educação que lhe é imposta, que passa a comungar, idolatrar e referendar a concentração do poder político e, também, o financeiro nas mãos de alguns poucos.

E esses poucos beneficiários do poder concentrado tomam para si, como uso restrito, a função tecnológica de governamentalidade, isso através da normalização das relações de poder entre a autoridade constituída e a sociedade, e desta consigo mesma:

organizar, administrar e, portanto, dominar – disciplinar e controlar – a sociedade; perpetuando esta forma de exploração ad infinitum.

É premente que tentemos, como afirma o cientista político Edson Passetti (PUC - São Paulo), “...compreender o mal imanente à autoridade e recuperar a confiança na liberdade.”

Liberdade esta sem os adjetivos limitadores de sua expressão máxima, como nos indica o pensamento político do jovem estudante francês, La Boétie:

"Decidi-vos a não servir mais, e serei livres."
O autor da resenha é também editor do blog  O Homem Revoltado.   

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Leviatã Perfeito

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Em meados do Século XVII o filósofo Thomas Hobbes escreve O Leviatã. Ali ele deixa clara a necessidade de um controle sobre os indivíduos por uma organização para que a “civilização” possa continuar viva. O Leviatã, monstro bíblico, que atormentava os navegantes, se transforma na organização que obriga todos a cumprirem um contrato social: O Estado.

Assim o soberano controlará os indivíduos para que não ajam além de suas possibilidades, acima do que, no final das contas, o próprio Estado considere incorreto, ilegal, imoral.

Em finais do Século XVIII, o anarquista William Godwin lamentava e alertava sobre a forma como o Estado estava cada vez mais se acercando da educação dos indivíduos. Obviamente, fazendo-os acreditar nas mesmas visões e ideias daqueles que constituiam e comandavam o Estado. Uniformizando cada vez mais o que se consideraria incorreto, ilegal e imoral.

O Soberano, que detinha o poder do Estado, manipulava, obrigava, torturava, e assassinava, em nome de um Contrato Social. Este Contrato foi com o tempo se transformando. E, com um poder sempre crescendo, o Estado saia da coerção, para a cooptação.

Um exemplo bem claro disso é a mudança de compreensão com relação às lutas do trabalhador. O que antes era considerado caso de polícia, como as greves dos primeiros anos do Século XX, no Brasil, se transforma em fortalecimento do colaboracionismo entre classes a partir da Revolução de 30, de Getúlio Vargas.

Vargas, e seu séquito, criam uma legislação que enfraquece os sindicatos autônomos, a partir da ideia dos Sindicatos Únicos, ligados ao Ministério do Trabalho, convergindo para uma verdadeira domesticação dos trabalhadores. Os poucos que se opuseram a esta operação de fortalecimento do controle estatal sobre os sindicatos, anarquistas entre eles, foram, pouco a pouco, reprimidos, presos ou deportados, no caso dos estrangeiros.

É claro, não nos esqueçamos, que este tipo de paz, onde o Estado consegue manter cada um em seu “verdadeiro” lugar na pirâmide de classes, funciona com a necessidade de ações violentas de tempos em tempos. A disciplina social é conseguida através de domesticação ideológica, ou de uma vigilância sistemática, mas quando necessário os tanques podem ir às ruas. E as prisões podem se encher mais ainda.

Mas alguns indícios de que é cada vez menos necessário o investimento em violência, para manter os indivíduos quietos, estão no ar.

Acho que são aqueles indícios que fizeram com que Gilles Deleuze entendesse que estávamos entrando nos anos 90 no que ele chamou de Sociedade de Controle. Nessa sociedade o controle é tão profundo, desde as raízes das movimentações sociais até a macro-economia, por exemplo, que mesmo aparentemente vivendo em um mundo repleto de opções estaríamos mesmo num fluxo tão veloz e direcionado que quase não temos chance de sair desse fluxo, se desejássemos isso.

“Que músicas chatas, professor”, foi o clamor geral dentro de uma sala de aula no ano de 2003, quando eu apresentei, aos jovens estudantes da Escola Estadual Georgina Ramos, no bairro da Boca do Rio, em Salvador, as músicas e letras de muitos compositores criadas durante a luta contra a Ditadura implantada pelo militares em 1964: Caetano Veloso, Chico Buarque, Geraldo Vandré...

É isso. Mesmo músicas como as de Titãs, Plebe Rude, dentre outras também gravadas em um CD que levei para a sala não foram muito bem recebidas. Semana passada o repórter do Programa Profissão Repórter perguntou a uma menininha, filha de umas das personagens da ocupação de um prédio no centro da cidade de São Paulo, sobre os cantores que ela gostava, e ela respondeu sem demora: Justin Bieber e Luan Santana...

Esta semana que passou muita gente congratulava a ocupação militar do Morro do Alemão. Poucas ou nenhuma voz de oposição. É tempo de controle a partir da necessidade da segurança, para nossa própria proteção.

Indícios, apenas, da existência da Sociedade de Controle.

E nada melhor que um pouco de Plebe Rude para matar a saudade dos anos 80. Anos perdidos no tempo.

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domingo, 5 de dezembro de 2010

O Pós-Panóptico chegou...

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Trago hoje para conhecimento de todos os que aqui navegam as ideias de Zygmunt Bauman sobre o Panóptico. Ou seja, sobre as mudanças que o Panóptico tem sofrido nestes tempos de Modernidade Líquida.

Foram transcritas as páginas 16, 17 e 18 da edição brasileira do livro de Bauman, publicado pela Zahar, em 2001.

O trecho é um pouquinho longo para um blog, mas achei que iria valer a pena tê-lo aqui neste espaço. Principalmente porque o autor não é daquele tipo de intelectual que parece não querer que as pessoas "normais" o compreendam.

Vamos lá, e até a próxima Quarta-Feira.

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Michel Foucault utilizou o projeto do Panóptico de Jeremy Bentham como arquimetáfora do poder moderno. No Panóptico, os internos estavam presos ao lugar e impedidos de qualquer movimento, confinados entre muros grossos, densos e bem-guardados, e fixados a suas camas, celas ou bancadas. Eles não podiam se mover porque estavam sob vigilância; tinham que se ater aos lugares indicados sempre porque não sabiam, e nem tinham como saber, onde estavam no momento seus vigias, livres para mover-se a vontade.

As instalações e a facilidade de movimento dos vigias eram a garantia de sua dominação; dos múltiplos laços de sua subordinação, a "fixação" dos internos ao lugar era o mais seguro e difícil de romper. O domínio do tempo era o segredo do poder dos administradores — e imobilizar os subordinados no espaço, negando-lhes o direito ao movimento e rotinizando o ritmo a que deviam obedecer era a principal estratégia em seu exercício do poder. A pirâmide do poder era feita de velocidade, de acesso aos meios de transporte e da resultante liberdade de movimento.

O Panóptico era um modelo de engajamento e confrontação mútuos entre os dois lados da relação de poder. As estratégias dos administradores, mantendo sua própria volatilidade e rotinizando o fluxo do tempo de seus subordinados, se tornavam uma só. Mas havia tensão entre as duas tarefas. A segunda tarefa punha limites à primeira — prendia os "rotinizadores" ao lugar dentro do qual os objetos da rotinização do tempo estavam confinados. Os rotinizadores não eram verdadeira e inteiramente livres para se mover: a opção "ausente" estava fora de questão em termos práticos.

O Panóptico apresenta também outras desvantagens. É uma estratégia cara: a conquista do espaço e sua manutenção, assim como a manutenção dos internos no espaço vigiado, abarcava ampla gama de tarefas administrativas custosas e complicadas. Havia os edifícios a erigir e manter em bom estado, os vigias profissionais a contratar e remunerar, a sobrevivência e capacidade de trabalho dos internos a ser preservada e cultivada.

Finalmente, administrar significa, ainda que a contragosto, responsabilizar-se pelo bem-estar geral do lugar, mesmo que em nome de um interesse pessoal consciente — e a responsabilidade, outra vez, significa estar preso ao lugar. Ela requer presença, e engajamento, pelo menos como uma confrontação e um cabo-de-guerra permanentes.

O que leva tantos a falar do "fim da história", da pós-modernidade, da "segunda modernidade" e da "sobremodernidade", ou a articular a intuição de uma mudança radical no arranjo do convívio humano e nas condições sociais sob as quais a política-vida é hoje levada, é o fato de que o longo esforço para acelerar a velocidade do movimento chegou a seu "limite natural". O poder pode se mover com a velocidade do sinal eletrônico — e assim o tempo requerido para o movimento de seus ingredientes essenciais se reduziu à instantaneidade.


Em termos práticos, o poder se tornou verdadeiramente extraterritorial, não mais limitado, nem mesmo desacelerado, pela resistência do espaço (o advento do telefone celular serve bem como "golpe de misericórdia" simbólico na dependência em relação ao espaço: o próprio acesso a um ponto telefônico não é mais necessário para que uma ordem seja dada e cumprida.

Não importa mais onde está quem dá a ordem — a diferença entre "próximo" e "distante", ou entre o espaço selvagem e o civilizado e ordenado, está a ponto de desaparecer). Isso dá aos detentores do poder uma oportunidade verdadeiramente sem precedentes: eles podem se livrar dos aspectos irritantes e atrasados da técnica de poder do Panóptico.

O que quer que a história da modernidade seja no estágio presente, ela é também, e talvez acima de tudo, pós-Panóptica. O que importava no Panóptico era que os encarregados "estivessem lá", próximos, na torre de controle. O que importa, nas relações de poder pós-panópticas é que as pessoas que operam as alavancas do poder de que depende o destino dos parceiros menos voláteis na relação podem fugir do alcance a qualquer momento — para a pura inacessibilidade.

O fim do Panóptico é o arauto do fim da era do engajamento mútuo: entre supervisores e supervisionados, capital e trabalho, líderes e seguidores, exércitos em guerra. As principais técnicas do poder são agora a fuga, a astúcia, o desvio e a evitação, a efetiva rejeição de qualquer confinamento territorial, com os complicados corolários de construção e manutenção da ordem, e com a responsabilidade pelas conseqüências de tudo, bem como com a necessidade de arcar com os custos.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Invasões, Invasões...

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Esses últimos dias tenho lido o livro Modernidade Líquida (2000) de Zygmunt Bauman. O autor, sociólogo polonês, faz ali uma grande viagem, tão pessimista quanto Giles Deleuze foi no começo dos anos 90, em torno de como nos encontramos, nós humanos, numa condição em que parece que as correntezas estão mais fortes do que nunca.

O que chamamos de correntezas nada mais são do que padrões sociais, cada vez mais homogêneos, e com poucas possibilidades de fuga do emaranhado formado. Para ele, confirmando os desejos de idealistas do Sec. XIX, os sólidos se desmancharam no ar, mas, para a infelicidade de muitos, sedimentou-se uma nova ordem, líquida, mas paradoxalmente, tão ou mais rígida que as ordens anteriores.

Podemos perceber o quanto Bauman considera rígidas as novas "leis" sociais desde o começo do livro. Didaticamente ele afirma que "se o tempo das revoluções sistêmicas passou, é porque não há edifícios que alojem as mesas de controle do sistema, que poderiam ser atacados e capturados pelos revolucionários".
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Assim dentre os sólidos que se desejariam derreter neste momento não estariam incluídos o cada vez maior individualismo, a uniformização cultural, e o endeusamento cada vez maior da mercadoria, somente como exemplos.

Caco Barcelos em seu programa semanal da Rede Globo na última Terça-Feira (30 de Novembro) me fez repensar sobre aquelas ideias de Bauman. Na reportagem os "novos" jornalistas do programa Profissão Repórter da Globo fazem uma inserção completa sobre os dias finais da ocupação de um prédio, antigo hotel, no centro da cidade de São Paulo, na bem conhecida, de muitos brasileiros, Avenida Ipiranga, graças a música de Caetano Veloso.

É possível se ver dentro da reportagem elementos que tanto reforçam quanto podem refutar as teorias do sociólogo polonês. A própria reportagem, por exemplo, pode representar uma brecha de resistência a homogeinização quase absurda que impera no jornalismo aqui no Brasil (vide as reportagens do último final de semana sobre a "Guerra contra o Tráfico" no Rio de Janeiro).

Ver o corre-corre dos repórteres junto com membros da comunidade criada com a ocupação, desde a madrugada, quando se procurava comida nas feiras, passando pelo périplo de adultos e crianças, uns em direção às escolas e outros às filas de emprego, e chegando ao final, observando o rosto entristecido do repórter no momento da invasão policial no prédio (chamada eufemisticamente de desocupação, ou reintegração de posse), me fizeram ter esperança em um jornalismo positivo (não lembrei de outro termo para qualificar um jornalismo desse tipo).

Espero que o trecho da reportagem (ela completa se encontra no portal da Globo.com) que coloquei ai em cima na postagem de hoje faça com que aqueles que navegam por este blog também reflitam sobre o que se deseja para o mundo e para as pessoas que nele residem. E quem sabe os versos de Caetano também ajudem nessa reflexão:

"Alguma coisa acontece
No meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga
E a Avenida São João...".