quarta-feira, 16 de junho de 2010

"O Olhar Virou Comércio"

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Em entrevista a jornalista Claudia Nina, publicada no Jornal do Brasil em 08 de Junho de 2002,
 o psiquiátra Antônio Quinet tráz as relações entre vigilância e exibicionismo,
como me referi no domingo passado.

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"A sociedade que produz Kleber Bambam e outras celebridades-relâmpagos é a mesma que substituiu o lema ‘penso, logo existo’ por um outro ditado, mais apropriado à lógica do espetáculo: ‘sou visto, logo existo’".

Essa mesma sociedade é definida pelo psicanalista Antônio Quinet como ‘escópica’, termo que desenvolve em Um olhar a mais: ver e ser visto em psicanálise (Jorge Zahar Editor, 300 páginas, sem preço definido). No livro, Quinet, doutor em Filosofia pela Universidade de Paris, explica as diversas formas do imperativo do olhar: de um lado, a fabricação de celebridades, querendo aparecer a qualquer preço; de outro, a insegurança das grandes cidades que gera a exigência da supervigilância com câmeras e filmadoras escondidas por todos os lados.

Antônio Quinet analisa o olhar desde a Antigüidade grega até os dias de hoje, abordando temas como os reality-shows e ainda a timidez, o pudor, a inveja, o ciúme, o mau-olhado, a espionagem, entre outros. O psicanalista falou ao JB sobre o trabalho e o sucesso de programas do tipo Big Brother em todo o mundo.

- Por que a superimportância do olhar nos dias de hoje?

- A sociedade contemporânea é dominada pelo olhar. Ele é onividente sob variadas formas: desde a proliferação dos programas televisivos de voyeurismo e exibicionismo explícitos até a generalização da vigilância que multiplica as câmeras encontradas em nossos passos todos os dias. Vivemos, hoje, numa sociedade escópica que conjuga o show business e o olho que vigia e pune, materializando o espetáculo com a disciplina e o controle. Essa sociedade comandada pelo capitalismo faz comércio do gozo do ver e do ser visto, e transforma em moeda desde o prazer da exibição até a vigilância do poder.

- Em uma pesquisa sobre o olhar, é evidente que a questão dos reality-shows não pode ficar de fora. Como você, do ponto de vista da psicanálise, enxerga o sucesso desse tipo de programa em todo o mundo?

- É o que abordo no último capítulo do livro. Há programas de televisão que tendem, sem pudor, a fundir a vida com o espetáculo. Os programas do tipo reality-show transformam os participantes em celebridades que pagam o preço de se verem reduzidas a objetos de torcida e aposta nesse ‘antropódromo televisivo’. Tudo isso de acordo com um script em que se fabricam as reações (em que até uma psicose pode ser desencadeada). Nessa jogada, em que os jogadores em casa identificados com os jogadores da casa comungam da mesma paixão pela fama, não se sabe mais quem é o sujeito (do jogo) e quem é o objeto (da aposta). O importante é ver tudo e ser visto o tempo todo.

- À luz da psicanálise, o que leva um indivíduo a querer aparecer em programas do tipo Big Brother?

- É o olhar, como objeto pulsional, que causa o gozo do espetáculo e o imperativo superegóico de se mostrar e de se exibir: tornar-se visível, virar uma celebridade. Em todos os aparelhos (ideológicos e tecnológicos) é o olhar que se manifesta sob a forma de um mandamento de gozo: ‘Mostre-se!’ Todos aspiram à celebridade como condição de ser alguém. Assim, nos arrumamos e nos enfeitamos para entrar em cena como figurantes ou protagonistas do filme-vida, para agradar o público. A sociedade escópica apropria-se desse desejo para transformar o exibicionismo em imperativo de publicidade, ordenando ao sujeito fazer de tudo para roubar a cena. Reatualiza-se a ilusão de que o sol brilha para todos ao acenar com a possibilidade de que qualquer um pode ser uma celebridade, bastando ser visto pelo outro para existir. Instaura-se um novo cogito: sou visto, logo existo.

- Em que medida isso se torna prejudicial à sociedade que, cada vez mais, como você escreve, passa a fazer olhos vazados à pobreza, que ninguém quer ver, e ninguém quer que seja vista?

- Paralelamente à cegueira em relação à pobreza e à miséria, há outro aspecto da sociedade escópica. Se, por um lado, ela impõe uma existência vinculada não apenas à visibilidade, mas à celebridade, por outro ela amplia cada vez mais a vigilância e o controle sobre cada indivíduo. Não é mais possível sair de casa sem se deparar com os dizeres : ‘Sorria, você está sendo filmado’, verdade ou mentira pouco importa, pois a própria frase faz existir um olhar invisível pousado no sujeito. Entretanto, não precisamos de um dispositivo concreto para nos sentirmos olhados - o neurótico está sempre se sentindo olhado e o paranóico, fabricando um delírio de observação. A instância desse olhar atribuído ao outro é chamada por Freud de supereu, que vigia e pune o sujeito. Olhar ‘sobre-mim’. A sociedade escópica, ao utilizar essa estrutura subjetiva, multiplicando seus dispositivos de vigilância eletrônica (câmeras onividentes), transforma a nós todos em objetos vistos e controláveis. A transparência vira um ideal. O pobre só é visto nessa sociedade para ser vigiado, pois é considerado potencialmente um criminoso.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sinto-me mal em ficar ansiosa para ver os novos Big-Brothers todo ano.
Há cura para essa doença do voyeurismo midiático?

Anônimo disse...

OI.
SALVADOR AGORA VAI TER TOTENS COM CAMERAS DE VIGILÂNCIA. AS IMAGENS DE PRAIAS SERÃO ACESSADAS NA INTERNET. UMA MARAVILHA PARA VOYEURISTAS E EXIBICIONISTAS DE PLANTÃO.
PARA QUEM GOSTA DE DIZER A ESPOSA QUE VAI A IGREJA E NA REALIDADE VAI A PRAIA, MUITO CUIDADO.