Parece que o Big Brother está mesmo na moda. Ontem à noite terminamos de ver mais uma temporada do reality show mais famoso daqueles que colocam gente dentro de um local fechado, dezenas de câmeras e microfones, e haja vigilância, junto com uma determinada mistura de exibicionismo e voyeurismo.
Pena que nem todo mundo saiba de onde vem o termo Big Brother.
Nas postagens anteriores já falei aqui do autor do livro 1984, George Orwell. É dele a idéia de um Big Brother (Grande Irmão) que se encontra 24 horas por dia de olho em cada um dos habitantes da Inglaterra (no livro, denominada Oceania, junto com os Estados Unidos).
Foi com satisfação que vi na Internet e nas bancas as revistas Filosofia e Aventuras na História abordando justamente a obra de Orwell.
No artigo (capa da primeira revista) “Como Eles nos Controlam ?”, o Mestre em Filosofia Renato Bittencourt faz uma análise das obras de Orwell (1984) e de Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo). A partir das teorias de Michel Foucault acerca da Sociedade Disciplinar ele percebe como em ambos os livros os autores conseguem sintetizar a idéia de que “a aspiração utópica pela estabilidade social corre o risco de se tornar uma distopia”.
Bittencourt também percebe como, por exemplo, duas sociedades com propostas diferenciadas com relação ao sexo têm no final das contas os mesmos objetivos com relação ao controle sobre os indivíduos. O sexo em 1984 é censurado, inibido, castrado:
O projeto do Partido era eliminar todo prazer no ato sexual. A pulsão sexual era perigosa para o Partido, que a utilizava em interesse próprio. Tal dispositivo é um grande mecanismo para a ampliação do grau de tensão psíquica da massa, que, impedida de gozar e satisfazer os seus desejos, reprime os seus instintos e se aliena das suas capacidades transformadoras, tornando-se infeliz e submissa diante da autoridade de uma ideologia política vazia, que usa palavras de ordem e da manipulação de informações para concretizar o seu poder totalitário.
Enquanto isso, na sociedade criada por Huxley as práticas sexuais são incentivadas pelo Estado. A liberalidade sexual neste caso ao invés de representar uma situação positiva para os indivíduos se torna mesmo uma armadilha. Junto com uma droga (também liberada pelo Estado) chamada Soma, a “liberdade” sexual torna-se uma ferramenta de alienação e controle da população.
Já na revista Aventuras na História de Abril de 2010 (já nas bancas) encontramos também uma outra análise do livro de Orwell no artigo "O Grande Irmão está te Vigiando", escrito por Álvaro Opperman.
Neste artigo o autor faz um pequeno resumo da história do livro 1984, além de uma biografia reduzida de Orwell.
Ao final do artigo o autor faz uma ligação entre os BIG-BROTHERS de Orwell e o de John de Mol (criador da idéia do famoso reality show). A relação entre autoritarismo e voyeurismo é debatida. John de Mol tenta explicar que “na obra de Orwell é o governo que observa tudo através das câmeras – ele fala de autoritarismo e não de voyeurismo, como é o nosso caso”. Contradizendo esta opinião, Opperman cita o historiador Johann Huizinga para quem “uma das chaves para o sucesso dos regimes autoritários é estimular a bisbilhotice alheia”.
Isso nos faz lembrar das nossas conhecidíssimas ditaduras: Cuba e China, apenas como exemplo, quando até hoje uns deduram aos outros, e as prisões ainda ocorrem sem qualquer direito de defesa. Cuba até bem pouco tempo possuía um dos maiores e mais “brilhantes” esquemas de deduragem, os CDR (Centro de Defesa da Revolução) onde desde crianças os indivíduos eram treinados a identificar indícios de contestação ao regime, onde quer que fosse, nas suas escolas, e mesmo dentro de suas próprias casas.
Da mesma forma que Cuba levava seus “subversivos” aos paredões, nesses tempos de reality shows somos nós mesmos que temos o poder de levar aqueles que não nos agradam aos paredões midiáticos, conseguindo premiar tanto bastardos inglórios, quanto patricinhas legalmente loiras.
Volto a postar aqui novamente no Domingo.
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4 comentários:
Um pouquinho de SOMA e Sexo não fazem mal a quase ninguém...
Não entendi a última frase: "patricinhas legalmente loiras", mas tudo bem.
Me sinto fora do contexto por não assistir o tal Big Brother, no trabalho , na família, entre amigos, o assunto predominante durante esta semana foi o tal programa. Algumas pessoas assistem e tecem críticas inteligentes a este tipo de programa, mas a grande maioria apenas se diverte e torce por fulano ou ciclano, é uma massa acrítica muito grande que parece só aumentar a cada dia. Assim temos a nossa SOMA e SEXO televisivos.
Baqueiro, Li os eu último texto,muito coerente,entretanto essa analogia do Big Brother me parece imprópria. É lógico que a sociedade deve tomar muito cuidado com essa questão de vigilância que tira a privacidade e cerceia liberdade. E deve agir contra isso através dos legisladores dentro da democracia.
Mas devemos lembrar que o BBB é entretenimento, aberto a inscrições e disputado como um jogo.Sem defender essa modadlidade de entretenimento, ou até assistir,penso que a analogia é imprópria.
Michel Foucault, in Vigiar e Punir:
“Que as punições em geral e a prisão se originem de uma tecnologia política do corpo, talvez me tenha ensinado mais pelo presente do que pela história.
Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo.
Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal.
Eram revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século: contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes.
Mas eram também revoltas contra as prisões modelos, contra os tranqüilizantes, contra o isolamento, contra o serviço médico ou educativo.
Revoltas cujos objetivos eram só materiais?
Revoltas contraditórias contra a decadência, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas, e ao mesmo tempo contra os psiquiatras?”
oI...
Em 2002 nos primórdios dos reality shows no Brasil já se discutia se esse tipo de programa tinha algo a ver com o sistema bigbrodiano de Orwell (talvez mesmo com o mundo somatizado de Huxley).
Vale a pena dar uma espiadinha:
http://www.espacoacademico.com.br/010/10wagner.htm
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