Cansamos de ouvir odes da grande mídia para com a modernidade, e à tecnologia que a acompanha. Somos freqüentemente induzidos a substituir aparelhos eletrônicos, por exemplo, pelo simples motivo de suportar uma velocidade maior, ou tornar mais eficiente alguma operação rotineira. Não ouvimos, no entanto, nenhuma menção à própria tecnologia como parte de uma estratégia para manter o estágio de consumo a que se chegou a humanidade.
Creio que a tecnologia como conhecemos hoje não pode ser entendida como neutra, isto é, a tecnologia de hoje, criada e evoluindo em nome de uma classe específica, direcionada para a acumulação de capital daquela classe, não pode de maneira alguma ser a mesma usada por uma sociedade que se pretenda livre, de verdade.
Na realidade, considero que até a própria luz elétrica, por exemplo, como necessidade ou bem consumível é discutível para uma sociedade livre.
Vou tentar explicar minha visão sobre este tema em poucas linhas.
Quando se acende uma lâmpada, quando se abre o gás de fogão, ou ao ligar a televisão, estamos diante de um consumismo, que pode não parecer, mas é criado e difundido pelo próprio sistema capitalista-industrial, o qual explora através do capital, das instituições e da cultura burguesa, o trabalhador que hoje não consegue desatar as amarras deste sistema. A tecnologia entra na exploração da mesma forma que as outras armas do sistema contra o indivíduo (ou mais precisamente, o trabalhador). Ela é apenas mais uma das teias dentro da rede de exploração.
A evolução desta tecnologia capitalista pressupõe sempre mais controle social através da evolução administrativa.
Nessa evolução a divisão de trabalho pode até tornar-se menos visível, mas ainda está lá . Um homem aperta o parafuso, um junta letrinhas para um jornal, outro abre uma válvula, outros a desenham, alguns preparam apresentações em Powerpoint, todos sem a mínima idéia do conjunto total da produção. Desconhecendo, alienadamente, o motivo de suas ações.
A tecnologia que conhecemos hoje intensifica cada dia mais a heterogestão, espaço onde a hierarquia e a burocracia predominam. Não é difícil imaginar isto quando estamos todo dia trabalhando dentro de complexos industriais, bancos ou escolas (necessários para manter a lâmpada acesa em casa), mais parecidos com campos de concentração ou centros de lavagem cerebral (alimentados com ferramentas disciplinares, como as "chamadas", os panópticos, as quatro paredes dividindo-nos, etc.).
Em minha opinião, se queremos manter a luz acesa, o gás fluindo, a televisão ligada, etc., onde as relações de trabalho continuem as mesmas de hoje, teremos que nos arriscar a viver numa sociedade "livre" onde exista heterogestão em parte dela, o que seria paradoxal.
Se desejarmos viver em comunidades livres, realmente baseadas na AUTOGESTÃO, devemos encontrar novas instituições, novas formas de fazer cultura, novas técnicas.
Inclusive temos de discutir quanto a real necessidade de certos bens de consumo individuais que existem hoje e sobre os quais nos deliciamos sem analisarmos as conseqüências de sua existência. DVDs, geladeiras, automóveis, sapatinhos da Grendene, o ar-condicionado, e até mesmo a nossa velha e querida lâmpada.
Texto publicado no blog Mídia Rebelde em Fevereiro de 2008
Um comentário:
"degenerescência"...
é a palavra desse século, pois tudo tem um tempo predeterminado pela necessidade de se produzir mais ou menos coisas para serem consumidas pela massa amorfa que tudo vê e nada enxerga!
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