quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Privacidade e Cartografia Digital

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Cristiane Paião, da Revista ComCiência, entrevistou o pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e membro-fundador da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Rodrigo Firmino.

Escolhi duas questões, mais ligadas aos temas principais deste blog, e coloquei ai embaixo.

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ComCiência - Nos últimos meses diversos países vêm se mobilizando em relação à invasão de privacidade causada pelas fotos veiculadas no Google Street View. Na Europa, Estados Unidos, instalações militares, residências e até cidades pediram ao Google para que algumas imagens fossem removidas, além do fato de o serviço ter sido completamente banido na República Tcheca. Da mesma forma, o Map World chinês também restringe o acesso às imagens em determinadas áreas, de acordo com seus interesses. Taiwan, que a China define como província traidora, não pode ser vista na mesma resolução que a China continental. Como trabalhar com a confiabilidade dos dados diante desse quadro?

Firmino – Até onde eu conheço o sistema e essas discussões sobre segredos militares ou invasão de privacidade, não deve haver problema com relação à confiabilidade das imagens disponibilizadas, já que, em tese, as imagens não são "alteradas", mas há a exclusão de imagens sensíveis ou de interesse específico. É bem claro que sistemas e aplicativos que envolvam informações sensíveis – com discussões transferidas diretamente para os níveis aceitáveis de invasão de privacidade pessoal e coletiva, ou ainda de interesse governamental ou militar –, envolvem questões de ordem política, econômica e cultural.

Entretanto, o caminho até a disponibilização desses dados e informações é uma outra história e sempre corre-se o risco de uma série de pedidos comerciais e judiciais de bloqueio de informações e, isto sim, pode comprometer o uso desses aplicativos, se acontecer em larga escala, o que acho possível, porém improvável. Por outro lado, as discussões em torno da privacidade são importantes e devem ser colocadas à mesa, para que seja possível debater quais são os limites aceitáveis econômica, política, social e culturalmente desse equilíbrio entre o controle de informações – governamental e comercialmente – e a privacidade de grupos e indivíduos.

ComCiência - Como a sociedade está reagindo a essas novas formas de se relacionar com o espaço e a privacidade, como no caso do Street View, por exemplo, em que pessoas são literalmente representadas e inseridas no mapa cartográfico?

Firmino – Essas questões são fundamentais e devem ser mais bem discutidas. Infelizmente, não estamos fazendo isso no momento, a não ser em círculos restritos, acadêmicos e institucionais. A população não tem sido chamada para essa discussão, principalmente no Brasil.

Ainda assim, avanços importantes começam a aparecer, como no caso da construção do novo marco civil da internet no Brasil, aberto à consulta pública e debatido por vários indivíduos e grupos interessados na liberdade civil. Esse foi um momento muito importante e produtivo, pois profissionais de diversas áreas puderam dar sua opinião em trechos específicos do texto, defendendo a liberdade de expressão e o uso da internet em vários aspectos, e garantindo o direito da privacidade em várias instâncias na regulação do uso da internet. Resta saber como isso será absorvido e aproveitado institucionalmente até tornar-se efetivo. Esse é o caminho a ser perseguido, o da discussão aberta, da participação e da colaboração.

Ainda discutimos pouco, especialmente no que diz respeito ao uso cada vez mais intensivo de tecnologias de informação e comunicação no controle e vigilância de grupos, indivíduos e espaços. No Brasil há uma tendência em imputar aos sistemas tecnológicos a responsabilidade de correção e resolução de problemas que na verdade têm outra ordem. Não são técnicos, mas sociais, políticos e econômicos. O caso do Google e seus dispositivos entram certamente no contexto mais amplo de todos esses meus argumentos sobre as discussões e preocupações com a privacidade no Brasil, ou seja, é um tema que não é debatido como deveria.

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