domingo, 29 de novembro de 2009

Muito além das câmeras...

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Fonte: Mundo sombrio de Matrix

Além das câmeras, que talvez sejam os dispositivos de vigilância e controle mais visíveis para os olhos humanos, há outros exemplos passíveis de análise. Lembro de um que é mostrado no filme "Seven", de David Fincher, com Brad Pitt e Morgan Freeman... exibido em 1995...

Ali já transitavam as primeiras impressões de como as "novas" tecnologias de dados poderiam servir ao Estado como ferramentas de controle. Os policiais pesquisam o tipo de leitura das pessoas na biblioteca. Encontram o assassino devido aos livros que ele leu. Tudo cadastrado nos computadores da biblioteca.

Na realidade, uma vigilância tão ou mais transparente do que as câmeras escondidas, propiciando uma simulação eterna de observação e controle de dados que antes não era possível de se juntar em um mesmo dispositivo.

Seria o mesmo tipo de observação e controle exercido por lojas virtuais. “Bom dia, Senhor Fulano”, é como as lojas nos tratam a partir da observação de nossos dados, encontrados nos nossos computadores pessoais, através de “cookies” (dispositivos “inteligentes” de busca de informações), ou mesmo ilegalmente através de “trojans” (outro tipo de dispositivo de busca de informações), verdadeiros Cavalos de Tróia, como o próprio nome já faz lembrar.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Resenha: Sorria, Você está Sendo Controlado

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Hoje postamos aqui uma pequena resenha sobre o livro Sorria, Você está Sendo Controlado: Resistência e Poder na Sociedade de Controle com autoria de Sonia Regina Vargas Mansano, editado pela Summus Editorial, em 2009.

A autora deste livro é psicóloga e leciona na Universidade Estadual de Londrina.

No livro, Mansano parte do princípio de que vivemos em uma sociedade de controle, com base nas afirmações de Giles Deleuze.

Na introdução ela inicia uma contextualização histórica desta sociedade. Busca auxílio na literatura, com George Orwell (1984) e Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo). Ela lembra que o Grande Irmão de Orwell via tudo “graças a convergência das informações que lhe chegavam”, podendo “interferir, e, em certa medida, dirigir a vida dos que lhe eram submetidos”. (página 15).

Mostra que este controle se daria no mundo orwelliano a partir de dispositivos disciplinares, como Michel Foucault teorizava com relação ao nosso mundo. E seria em nosso mundo que o monitoramento a partir dos dispositivos invade nosso cotidiano.

Mas atualmente estaríamos saindo da sociedade disciplinar (Foucault) para a sociedade de controle (Deleuze). Nesta última o controle “se disseminou no cotidiano e passou a fazer parte da vida da população sem ser necessariamente identificado como tal”. (página 17).

Mas para Deleuze estaríamos (escreveu em 1996) num período de transição. Isto torna mais complexa a percepção da mudança, pois as forças de mudança “guardam ainda uma dimensão invisível e indizível, pois intervêm nas esferas mais capilares do cotidiano das populações”. (página 45).

Uma das possíveis percepções é de que os dispositivos de controle já não se encontram apenas em mãos de instituições poderosas, como o Estado, as grandes empresas, mas disseminado pela sociedade.

Para analisar estes “dispositivos de controle contemporâneos” a autora busca respostas em situações cotidianas nas quais se faz presente, através de leitura de jornais, sites, encartes publicitários, programas televisivos.

Ela busca exemplos na área criminal no monitoramento de criminosos, auxiliado por satélites, com uso de “coleiras”, ou “braceletes” eletrônicos, ainda pouco usados no Brasil (“por respeito à dignidade do condenado”, ou pelo próprio custo).

Outro exemplo de vigilância, auxiliada pela convergência tecnológica, é o uso de cameras nos lares e com imagens transmitidas “ao vivo” pela Internet. Os visitantes do site em que se encontram as imagens podem se tornar “ghost watchers”, enviando mensagem de alerta ao dono da casa, quando aparecer algum “ectoplasma”. (página 62).

Ao final do livro a autora lembra Deleuze e Guattari observando que “as possibilidades de resistência são criadas por ocasião de cada novo encontro... e assim as linhas de resistência são ensaiadas durante o contato do sujeito com a passagem dos dados e dos fluxos que atravessam seu cotidiano e com os quais ele produz novas e inusitadas combinações”. (página 180).

domingo, 22 de novembro de 2009

Cuidado, você pode estar sendo vigiado

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Nas últimas postagens que fizemos foi identificada uma das facetas da vigilância.

Os "racionalistas" do Sec. XVIII procuravam uma maneira de controlar os indivíduos, possibilitando um modo de mantê-los disciplinados dentro dos locais onde eles se encontravam, mantendo a ordem necessária, seja para aprendizagem (nas escolas) ou para a produção (nas fábricas), ou simplesmente para mantê-los quietos (nas prisões), através, por exemplo, da arquitetura das construções, como foi o panóptico de Bentham.

Hoje câmeras de segurança estão em todos os lugares onde haja gente, mas, principalmente, onde haja aglomeração de pessoas. Afirma-se hoje ainda a mesma necessidade de disciplinar os indivíduos. A mesma necessidade de por ordem nas coisas através da vigilância.

Encontrei uma boa reportagem no portal R7 (Hora News, de 05 de outubro de 2009), que aborda justamente a abundância de câmeras nas cidades, particularmente de órgãos do governo, como a PM e a Secretaria de Trânsito.

Tudo pela "nossa" segurança.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

As Câmeras e a Sociedade do Panóptico

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Fonte: http://nossagora.blogspot.com/2008/07/foucault-vigiar-e-punir.html

As câmeras de vigilância se tornam mais eficientes a cada dia que passa. Hoje são digitais e “inteligentes”, com capacidade cada vez maior de observação de detalhes. Capazes de perceber e alertar sobre modificações de fluxos de pessoas, como as hoje existentes nas estações de metro de Londres.

Ou como as câmeras nos aeroportos americanos, capazes de analisar, quando ligadas a possantes computadores, padrões faciais de indivíduos, traduzindo estas feições para identificação de possíveis riscos: terrorismo, assaltos, questões de saúde pública, etc. Verdadeiras peças “neo-lombrosianas” com jeito de ficção científica.

Assim, como nas teletelas orwellianas, as câmeras não teriam como meta a punição exemplar, mas a prevenção.

Boa parte da defesa destes processos de vigilância e controle se dá no sentido da sua inevitabilidade, sinalizada pelo resultado com relação à segurança pública, e pelo controle dos fluxos e interações dentro dos territórios de ocupação sociais.

No artigo "Poder, Vigilância e Ciberespaço", Valéria Marcondes, faz um pequeno resumo sobre o pensamento de Foucault, no que diz respeito a questão dos dispositivos de controle sociais. No texto ela fala sobre o estabelecimento, a partir do Séc. XVIII, de uma tecnologia do poder, quando se iniciam estudos sistemáticos sobre disciplina e controle social. Escolas, prisões, hospitais, conventos, fábricas, são locais exemplares para se entender o que o filósofo chamava de Sociedade Disciplinar.

Segundo ela, Foucault veria as tecnologias de vigilância nascidas destas sociedades apenas por seu viés negativo. Os indivíduos estariam assim presos numa malha de poderes localizados por toda a sociedade. Assim, para Valéria Marcondes, Foucault via aquelas tecnologias apenas como “ferramentas do poder, utilizadas para suprimir a liberdade e impor limites aos cidadãos".

Dentro desta linha de compreensão de que as tecnologias sempre serão usadas por governos e empresas para seu benefício a autora usa outro autor: William Bogard. Baseando-se no livro de Bogard, A Simulação da Vigilância: Hipercontrole em Sociedades Telemáticas, defini-o como "tecnofóbico": "Onde a vigilância não pode capturar um evento, sua simulação pode, e oferece este poder para qualquer um".

A frase acima no início do livro de Bogard nos faz, mais uma vez, lembrar do Panóptico... Uma simulação constante de vigilância. Não é difícil encontrar-se exemplos claros desta grande rede de vigilância. Um caso passível de análise é, por exemplo, a seção de futebol do programa dominical da Rede Globo, o Fantástico. Ali o jornalista brinca com os vídeos enviados pelos telespectadores para uma seleção de “Bolas Murchas” e “Bolas Cheias”.

Não é difícil se concluir que todos estamos sendo filmados por nossos próprios parentes ou amigos e podemos ser "exibidos" para todo mundo no domingo a noite, ou nas pequenas telas do YouTube.

domingo, 15 de novembro de 2009

Segurança & Vigilância

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Nos vídeos a seguir, disponibilizados pela Rede Record, através de seu canal R7, na Internet, podemos observar como a TV está se utilizando das gravações das Câmeras de Vídeo de Segurança (conhecidas como CFTV - Circuitos Fechados de TV), para criar suas notícias.

Canal R7 - 06 de Outubro de 2009



São Paulo no Ar - 14 de Outubro de 2009



Não é difícil encontrar opiniões afirmando que os CCTV dão ao indivíduo a sensação de segurança. A possibilidade de identificação dos infratores (qualquer que seja a regra) cria mesmo a sensação de que elas podem diminuir a criminalidade, por exemplo.

Ieda Tucherman, da Escola de Comunicação da UFRJ, em entrevista a jornalista Patrícia Pereira, na Revista Sociologia, de Janeiro de 2001, deixa claro o que pensa sobre esses dispositivos de vigilância:
As instâncias salvaguardam essa estrutura porque supostamente oferecem proteção. Eu não concordo. Ao fazer isso, acirram a ideia de cidade partida. Declara-se guerra ao outro. Abre-se mão do encontro com a diferença. Esse controle é a espacialização da diferença.
No mesmo artigo da Revista Sociologia, entitulado Sociedade do Controle, a jornalista também entrevista outra pesquisadora do tema vigilância, Fernanda Bruno, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ. Ela considera que os indivíduos vão interiorizando e naturalizando a presença dos "olhares" das câmeras e assim vai se criando nos espaços públicos um autocontrole de comportamentos.
A rua que sempre foi um lugar do anonimato, vai perdendo essa característica. As pessoas começam, de forma não muito gritante e visível, a ter atitude de autocontrole nesses espaços. Um dos objetivos da câmera é interiorizar a vigilância.
Mas não escolhi os vídeos a toa.

No primeiro deles ao final da passagem da repórter é dito que a polícia ainda não prendeu os "criminosos", e além disso os funcionários da farmácia já estão fartos dos assaltos (não inibidos pelos olhares das câmeras).

No segundo o apresentador, bem ao nível de programas chamados frequentemente de sensacionalistas, mostra que não tem certeza do que aconteceu na ação gravada pela câmera (o indivíduo que "pegou" a motocicleta seria um reles ladrãozinho ou o dono do veículo ?).

Dá prá se perceber que as gravações destas câmeras estão se tornando uma ótima (e barata) base de dados para as redes de TV, em seus programas "jornalísticos".

Já a resposta às questões sobre vantagens e desvantagens (custo benefício) do uso dessas câmeras para a sociedade está longe de ser unânime.

Até Quarta-Feira.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ciência e Novas Tecnologias

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Fonte: http://openvizor.com/files/images/surveying-surveillance.preview.jpg

As questões atuais acerca da Vigilância e do Controle exercido através dela está relacionado às questões das novas tecnologias. Alguns, da mesma forma que os ludistas nos primórdios da industrialização na Inglaterra, acusam estas novas tecnologias como o elemento fundamental (inventado pelas classes dominantes) para o controle das massas.

As críticas às sempre complexas "novas tecnologias" não são atuais. O debate proposto por Walter Benjamin sobre a questão das cópias das obras de arte, no começo do Sec. XX, já dava um tom crítico às mídias que surgiam naquele momento, e que pareciam até prever o que viria mais tarde.

Não foi só Benjamim a tratar desse assunto.

Segundo o educador B.F. Skinner, o controle (sem as rédeas da sociedade democrática) gerado pelo uso de tecnologias da educação (e manipulação) não seria apenas intrigante, mas assustador. Assim ele afirma no livro Sobre o Behaviorismo:
Órgãos ou instituições organizados, tais como governos, religiões e sistemas econômicos e, em menor grau, educadores e psicoterapeutas, exercem um controle poderoso e muitas vezes molesto. Tal controle é exercido de maneira que reforça de forma muito eficaz aqueles que o exercem e, infelizmente, via de regra significa maneiras que são ou imediatamente adversativas para aqueles que sejam controlados ou os exploram a longo prazo.
Para ele, essas tecnologias (com seus primeiros passos dados em finais do século XIX) seriam utilizadas de uma maneira ou de outra, como o foram, por nazistas alemães e stalinistas soviéticos, para usufruto de grupos que estivessem no poder . O recomendável, nesse sentido seria estudá-las, aprimorá-las e utilizá-las com parcimônia.

É a ciência estabelecendo uma crítica a ela própria. E à tecnologia que a ronda.

Já em fins do Séc. XIX, o anarquista russo Mikhail Bakunin sugeria, no livro Deus e Estado, que a ciência, mesmo se definida como neutra e racional, estaria nas mãos de poucos e a serviço da manutenção da ignorância para a maioria da população.

Bakunin afirma em um dos seus textos reunidos no livro:
O governo da ciência e dos homens de ciência, ainda que fossem positivistas, discípulos de Auguste Comte, ou ainda discípulos da escola doutrinária do comunismo alemão, não poderia ser outra coisa senão um governo impotente, ridículo, desumano, cruel, opressivo, explorador, malfazejo.
Nesta mesma direção crítica surge o livro Vigiar e Punir, do filósofo Michel Foucault (mostrado em postagem anterior). Ali, Foucault vai mostrando, capítulo a capítulo, como vão se construindo no decorrer dos séculos as técnicas de disciplinamento e controle social.
O exercício da disciplina supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam.
A procura de um instrumento perfeito para perceber todos os movimentos faz lembrar o Olho de Sauron*. Mitos a parte, é uma ferramenta destas que aqueles que se encontram no poder devem procurar.

A teletela orwelliana seria um desses aparelhos: O panóptico na forma eletrônica. Análogas a ela, em nossa sociedade, começo do Séc. XXI, poderiam ser, por exemplo, as câmeras escondidas nas esquinas das ruas, nas entradas de supermercados, nas garagens dos subsolos de grandes edifícios empresariais, ou nos elevadores de edifícios residenciais.

Domingo serão mostrados alguns exemplos de como a vigilância se torna atrativa como elemento que traz segurança a partir do fenômeno da violência dentro das cidades.

* O Olho de Sauron, que tudo vê e tudo sabe, faz parte da mitologia criada por J.R.R. Tolkien, na sua obra O Senhor dos Anéis.

domingo, 8 de novembro de 2009

Filosofia no Fantástico

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Há algum tempo a revista semanal da TV Globo, o Fantástico, vem se tornando um grande release da própria programação daquela TV.

É um tal de fazer referência às novelas, seja descaradamente falando delas, ou criando links com assuntos "importantes". Então se fala sobre esquizofrenia quando o mocinho da novela das 8 tem essa doença, debate-se alcoolismo quando um personagem padece desse mal.

Essa semana que passou por exemplo falou-se um montão de moda, vida de modelos, etc. Advinha por que ?

Mas o Fantástico, de vez em quando, fazendo valer a concessão pública dada a Rede Globo para levar conhecimento aos seus espectadores, produz reportagens bem interessantes.

Esse foi o caso da série Poeira nas Estrelas, por exemplo. O astrônomo Marcelo Gleiser de forma belíssima, adicionado à "qualidade global", expõe antigas respostas para questões como "de onde viemos, para onde vamos".

Também de forma fascinante, e aqui voltamos para nosso tema de pesquisa, a filósofa Viviane Mosé, com uma didática simples, constrói a série Ser ou Não Ser, em 9 capítulos.

O tema principal de um dos capítulos, que foi ao ar no dia 22 de Outubro de 2006, foi Vigilância como Forma de Dominação. Com uma certa ironia ela explica como somos vigiados a vida inteira, desde o útero, com aparelhos de ultrassom.

Assistam o vídeo, com 9 minutos e 30 segundos.



Na Quarta-Feira estou de volta.

Aproveite esse tempo para comentar ai embaixo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Resenha: Vigiar e Punir

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Esta vai ser a primeira postagem de uma resenha dos livros que venho pesquisando e que têm referência com o tema Vigilância e Controle Social.

Nela falarei do livro Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão (Editora Vozes, 2009) de Michel Foucault.

Obra fundamental para se compreender o funcionamento de dispositivos disciplinares, base para o desenvolvimento do que se convencionou chamar de Sociedade de Controle.

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Foucault além deste livro também escreveu outras obras como As Palavras e as Coisas, um estudo epistemológico das Ciências Sociais, e Arqueologia do Saber, onde ele propõe uma investigação e uma análise histórica e profunda, opondo-se a um falso objetivismo cientifico.

Vigiar e Punir teve sua primeira edição publicada na França em 1975, com o nome Suerveiller et Punir.

Com a perspectiva investigativa explicada por ele em Arqueologia do Saber ele pretende nesta obra analisar a genelogia da prisões, e consequentemente das estruturas construídas através dos anos, com suas continuidades e descontinuidades históricas.

A primeira parte do livro, nomeada “Suplício”, se inicia com uma técnica conhecida desde os anos 60 como Micro-História, com Carlo Ginzburg (O Queijo e os Vermes). A partir de documentos do final do Sec. XVIII ele mostra, perturbadoramente, como ocorriam as penas de morte, para aqueles que eram julgados culpados por assassinato.

Partindo do caso específico de Robert-François Damiens, julgado parricida, ele usa as peças originais do processo que se deu em 1757, além das notícias encontradas na Gazette d´Amsterdam, de 01/04/1757, para demonstrar como ele foi executado.

A execução se deu em praça pública. A condenação inclui pedir perdão publicamente, e logo após uma série de atos violentos sobre seu corpo:

... atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas... e as partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente... seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seu membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (página 9).
Neste mesmo capítulo e no seguinte Foucault vai escavando e encontrando vestígios e indícios (como um arqueólogo) das mudanças estruturais que vão ocorrendo entre as punições exibidas em público através do suplício dos acusados até meados dos Sec. XIX e a criação de tecnologias e dispositivos disciplinares que permitissem que a sociedade se saciasse apenas com as prisões dos indivíduos, sem “a melancólica festa de punição” (página 15).

Época em que as ciências penais vão se modificando. A punição começa a ser levada a cabo, sistematicamente, por meio da vigilância em prisões. O juri adotado quase toda parte e a definição do caráter essencialmente corretivo da pena são alguns dos novos dispositivos de controle do sistema penal, a partir daquele momento.

É na terceira parte, entitulada “Disciplina”, onde a questão da vigilância e do controle sobre os individuos é estudada pormenorizadamente.

Foucault vai demonstrando como evolui o controle dentro das prisões, partindo da necessidade de tornar os presos dóceis (corpos dóceis) a partir de técnicas disciplinares adequadas.

Regras disciplinares que obrigam o preso a ter um dia igual ao outro. Horas determinadas para ações determinadas. Esquemas hierárquicos sólidos e vigiados todo o tempo com o único objetivo de reforçar o poder disciplinar:

O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior 'adestrar'... Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos de decomposição até as singularidades necessárias e suficientes. 'Adestra' as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos... (página 164).
O sucesso disciplinar se deve ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico e a sanção normalizadora.

Foucault dá vários exemplos do que considera como olhar hierárquico. A arquitetura das instituições vão sendo cada dia melhoradas para justamente incrementar essa possibilidade de olhar, de observar. O acampamento militar, cidades operárias, asilos, escolas... vão sendo construídos para permitir que se consiga observar a maior quantidade possível de indivíduos de uma só vez.

O aparelho disciplinar perfeito capacitaria um único olhar a tudo ver permanentemente. Um ponto central seria ao mesmo tempo fonte de luz que iluminasse todas as coisas, e lugar de convergência para tudo o que deve ser sabido: olho perfeito a que nada escapa e centro em direção ao qual todos os olhares convergem. (página 167).
Assim surge a idéia central do Panóptico. O efeito mais importante deste dispositivo seria “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder”. (página 191).

Entendendo as causas e efeitos da arquitetura do Panóptico nos espaços fechados não fica difícil de se compreender a sua transposição hoje (como metáfora) para os espaços abertos, com as milhões de câmeras espalhadas pelas ruas, ou pelos celulares móveis que permitem a localização de seus usuários via GPS, por exemplo.

Domingo continuamos.

domingo, 1 de novembro de 2009

Arte, Vigilância e Controle

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George Orwell nos alertou em 1948, no seu livro “1984”, sobre as possibilidades de existência de um mundo totalitário, onde os Estados concentrariam todo poder político, e os indivíduos seriam controlados com o auxílio da aparelhagem tecnológica existente ali naquele mundo.

A cena em que ele descreve a chamada Teletela é apenas uma amostra daquele mundo.
Por trás de Winston a voz da teletela ainda tagarelava a respeito do ferro gusa e da superação do Nono Plano Trienal. A teletela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no campo de visão da placa metálica, poderia ser visto também. Naturalmente, não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão estava sendo vigiado ou não.(ORWELL, George. 1984. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005. Pag.6)
Artistas, poetas, escritores são bons nesta arte de prever esse tipo de futuro sombrio. Antes de Orwell muita gente já havia percebido que a tecnologia (que dá tantas esperanças ao ser humano, no sentido de tornar o mundo mais seguro para viver, diminuindo as dificuldades naturais a que é exposto) poderia se virar contra o criador.

Mary Shelley, no início do Séc. XIX, com seu “Frankenstein”, talvez tenha sido a primeira a perceber aonde poderíamos chegar na busca incessante da ciência por novidades que melhorassem nossas vidas. Charles Chaplin, em 1936, já havia também mostrado ao mundo como a tecnologia desumanizava os indivíduos em “Tempos Modernos”. Ideia muito bem elaborada na sequência em que o personagem principal é engolido pelas engrenagens da fábrica. “Metropolis”, filme dirigido por Fritz Lang em 1927, “Admirável Mundo Novo”, escrito por Aldous Huxley em 1931... e tantas outras obras escritas e/ou filmadas também são exemplos daquilo que pode ser conceituado como Utopias Negativas, ou Distopias.

Ray Bradbury na sua obra “Fahrenheit 451”, publicada em 1953, como um outro exemplo de distopia, baseia-se no mundo norte-americano dos anos 50, com a perseguição do McCarthyismo, para criar um outro mundo futuro em que a TV e os Mass Media substituem as relações familiares e sociais, e a tecnologia torna-se cada vez mais eficiente e opressiva . Assim, naquele mundo controla-se o que se lê, e no fim das contas, o que se pode pensar.

A vigilância constante e eficiente é, em boa parte das obras aqui relacionadas, elemento fundamental no controle das sociedades idealizadas.

Vejam a seguir o trecho do filme baseado no livro 1984, com Jonh Hurt fazendo o papel do angustiado Winston (e o saudoso Richard Burton como seu algoz, no último papel antes de falecer). O trecho em si já trás um pouco do que pode ser compreedido como um mundo totalitário comandado pela perspectiva de estar sempre observado, sem qualquer privacidade.



Este ano começou a ser comercializado o DVD referente a aquele filme, após uma longa e ansiosa espera. O DVD está sendo vendido na loja Submarino. O livro também está a venda: Buscapé.

Quarta-Feira estarei por aqui de novo.